De Boadilla del Camino a Carrion de los Condes - 25 km
A Santiago: 405 km
Quarta-feira, 26 de Setembro de 2001
Acabei jantando ontem em Boadilla del Camino à mesma mesa com dois rapazes norte-americanos, ambos muitos gentis. Consegui falar com meu inglês precário e em espanhol, que um deles,
Wil, falava bastante bem. São da Lousiania, universitários em férias até novembro. São primos, um católico, Wil, e outro protestante, Mac, caminhando, segundo disseram-me, com motivação mais espiritual que religiosa. Falaram
ter muita fé e que a caminhada lhes é um exercício de fé, tanto que, sequer, levam consigo um "guide book". Questionaram-me sobre o que achava dos atentados contra o WTC em NY. Falei o óbvio, que os atentados são deploráveis,
mas que os norte-americanos deviam refletir sobre as razões de seu País provocar tanto ódio e ressentimento. Acrescentei que novo governo, de Bush Jr., poderia ter evitado essa catástrofe, se tivesse dito uma palavra, única
que fosse, de esperança ao mundo árabe, de que a questão palestina seria resolvida, e de que a política unilateral do atual governo dos USA só fazia piorar as coisas. Wil, de família republicana, seu pai é ex-senador, discordou
gentilmente, afirmando que os atentados seriam cometidos de qualquer forma, porque já vinham sendo preparados há muito tempo.
Levantei-me cerca das 7h e fui para a estrada planejando tomar café em Fromista, distante
uns 6 Km, dando adeus a Boadilla del Caminho, terra natal do companheiro de Inácio de Loyola na fundação da Companhia de Jesus.
Café em Fromista, a partir de onde tem caprichado "andadero" para peregrinos, e passagem
pelas cidades "del campo" da Palência. Em Villarcázar de Sirga cheguei às 12h30min. Comprei uns "regalos" para o pessoal em Porto Alegre numa loja bem sortida ao lado do Mezón de Villarcázar, e remeti pela lista do correio
para Santiago de Compostela.
Almocei com os americanos Wil e Mac e um grupo de espanhóis, entre os quais José Luís, de Bilbao, que peregrina com a filha, como promessa pela cura de um câncer. O almoço foi excelente:
cordeiro, especialidade do Mezón de Villarcázar, precedida de nutrida salada mista, regado com um bom vinho. Saí do restaurante por volta das 15h30min e toquei direto para Carrion de los Condes, onde instalei-me no albergue
paroquial, cuja hospitaleira é irmã do padre, verdadeira sargentona, com poderes plenipotenciários, de ir ao dormitório dar bronca nos peregrinos.
Depois de cumprida a rotina de sempre, telefonei para casa. Estava ansioso
para falar com a Gládis e os filhos, pois não ligava desde o último sábado, na passagem por Belorado. A Julinha atendeu e deu-me notícias das notas na escola. Conversei também com o Bruno e a Luzia. Fiquei sabendo das aprontadas
do Orpheu.
Sobrou muito tempo em Carrion de los Condes, porque a jornada desde Boadilla del Camino foi muito fácil. Amanhã serão mais de 26 Km até Terradillo de Templários, uma etapa que não é considerada fácil, pois
17 Km do percurso é de caminhada em meio ao nada dos campos da Palência, não se passa por qualquer vilarejo. Pretendo sair muito cedo. Havia planejado levantar alta madrugada para vencer os fatídicos 17 Km ainda à noite, pelo
menos em sua maior parte. No entanto, a hospitaleira sargentona falou-me que l albergue só abre suas portas para a saída de peregrino às 6h.
Com o tempo sobrando, saí a passear por Carrion, para visitar locais de interesse
histórico e cultural. Na fachada de uma dessas típicas casas muito antigas da Espanha, li uma interessante inscrição: "Aquí nació el caudillo cristiano, prudente consejero y literato insigne, don Iñigo López de Mendonza, em
1398". Preciso informar-me sobre o personagem.
Antes de ir para o albergue, aprovisionei-me em supermercado para a caminhada de amanhã. O almoço fora tão farto, que não tive vontade de jantar. Só fiz lanche à base de
frutas antes de dormir.
Conheci no albergue uns brasileiros, entre eles um paulista e uma mineira, cujos nomes não lembro, que caminham juntos, e um rapazinho baiano, cujo nome não perguntei, mas que me pareceu muito
simpático.