O movimento de expansão da Cristandade: As Cruzadas

por Tatiana Meurer (Galiza)

Tatiana Meurer.Texto elaborado para a disciplina de História Medieval II do curso de Bacharelado em História da Pontifícia Universidade Católica do RS, em junho de 2000.

Contexto histórico e fatores que motivaram o movimento


O início da desestruturação do feudalismo, da escassez das parcelas de terra devido ao crescimento demográfico e, principalmente, pelo sustentáculo do sistema estar frágil, devido à mudança de condições dos homens servis, que antes eram determinados a mesma condição social pela sociedade de ordens, agora viam oportunidades na sociedade estamental. É nesse contexto que surgem as Cruzadas que perduram entre os fins do século XI a fins do XIII, que surgem as Cruzadas. Um conjunto de fatores materiais e espirituais desencadearam as Cruzadas que foram expedições que tinham como objetivo maior os territórios dominados pelos muçulmanos no Oriente. Segundo Hilário Franco Jr.(historiador medievalista), vários fatores desencadearam o movimento, principalmente os fatores materiais e as transformações sociais ocorridas no início da desestruturação do feudalismo. Esses fatores eram:

  • Expansão demográfica: a expansão se deu por vários fatores como: os contatos menos intensos com o Oriente, de onde provinham as epidemias e doenças; invasões estrangeiras e grandes batalhas que cessaram; abundância de recursos naturais devido à não ocupação de vastos territórios que recuperaram a fertilidade do seu solo; suavização do clima europeu cerca do ano 1000, tornando-se mais seco e mais quente permitindo o cultivo de várias espécies onde antes era impróprio; inovações tecnológicas agrícolas que permitiram uma melhoria na qualidade da dieta. Sem a expansão demográfica as Cruzadas não seriam possíveis.

  • Contexto comercial: as novas técnicas agrícolas permitem elevar a produção e geração de um excedente. Com isso começam as trocas onde a Europa pode obter bens não produzidos ali(perfumes, sedas, especiarias, etc) e o Oriente pode obter gêneros alimentários e matéria-prima ocidentais. Nesse processo, a Itália destacou-se por estar geograficamente situada em área estratégica, no centro do Mediterrâneo, fazendo a ligação entre Ocidente e Oriente. Nesse contexto destacam-se as cidades de Veneza e Gênova, impossibilitadas de terem uma economia agrícola, desenvolveram-se no comércio. Veneza obteve, inclusive, certos privilégios como a isenção de impostos e uma feitoria em Constantinopla. Seus interesses comerciais coincidiam com os interesses espirituais das Cruzadas, sendo assim forneceu apoio material aos Cruzadistas e assim puderam defender e estender seus interesses pelo Oriente.

  • Sociedade Estamental: a expansão demográfica diminui o tamanho da parcela de terra de cada família camponesa e os indivíduos são obrigados a tentarem um outro gênero de vida. A sociedade, antes determinada pelas ordens, passa a ser estamental, o que permitiu uma mobilidade social de forma que os camponeses, antes ligados à terra e ao trabalho agrícola compulsório, agora tinham a oportunidade de exercer no comércio uma atividade mais compensadora. Camponeses, vendo essa possibilidade de liberdade e melhores condições nas cidades, rebelam-se contra seus senhores, pedem alforria, compram sua liberdade. Esse fator gera um grupo de marginalizados crescente advindos principalmente da classe servil que abandona o campo. E são esses marginalizados que se entregam ao saque e roubo que, mais tarde, se integrariam nas Cruzadas procurando uma melhor condição de vida.

  • Fator espiritual: a Igreja tinha interesse em diminuir as tensões sociais. Também tinha interesses espirituais onde a Terra Santa deveria ser retomada pelos cristãos. Com o Concílio de Clermont, Urbano II instiga a população às Cruzadas, cedendo indulgências, remissão dos pecados e a possibilidade de riquezas, e luta pela tomada dos territórios santos de volta ao mundo cristão. O objetivo era, então, a reunificação e expansão da Cristandade.

  • Fator Político: a pequena nobreza sem terra e com escassos feudos, em principal os secundogênitos de famílias nobres, via nas Cruzadas a possibilidade de senhorios. A Igreja, apesar de ser a maior possuidora de terras, não podia enfeudar todos aqueles nobres sem senhorio. Na tentativa de terras, muitos nobres atacavam outros feudos, inclusive os da Igreja.

Características das principais Cruzadas


Com o Concílio de Clermont(1095), o pronunciamento de Urbano II provoca a agitação da população. As Cruzadas eram marcadas pelo apelo espiritual, pelo ganho de indulgências e riquezas na luta contra o inimigo, os infiéis muçulmanos no Oriente, e os pagãos(eslavos), no Norte. No total, foram 8 grandes Cruzadas, as principais e mais importantes porque iam até a Terra Santa(Jerusalém). Mas também haviam outras Cruzadas como a Cruzada das Crianças, a Cruzada dos Barões, a Cruzada Popular, tendo sido essa última em certos momentos anárquica e perigosa, sendo um testemunho confuso do entusiasmo gerado pelo discurso de Clermont. As caracterísiticas dessas expedições eram variadas. Na maioria, os componentes das expedições eram bandoleiros, antigos servos e camponeses marginalizados na sociedade que viam a possibilidade de alguma condição de vida no movimento. Nobres, reis, mulheres e burgueses também participaram do "negócio de Deus". A grande maioria passava por necessidades materiais e acabavam por não chegar ao seus destinos.

As Oito Cruzadas mais importantes tinham como característica:

  • Primeira Cruzada(1096-1099): formada pela nobreza e supervisionada pelo papado. Formada por vários exércitos feudais autônomos sob o comando de um representante papal. As primeiras terras conquistadas deveriam retornar a Bizâncio, sob um juramento de fidelidade exigido dos cruzados. Alguns não apoiaram esse juramento, o que causou uma divisão interna entre os cristãos. Os oponentes também encontravam-se divididos. Os cruzadistas alcançaram Jerusalém e no território sírio-palestino instalaram estados tendo como modelo uma estrutura feudal-colonial, à qual já estavam acostumados.

  • Segunda Cruzada(1147-1149): pregada por São Bernardo reuniu três contingentes, alemães, franceses e outro composto por ingleses, flamengos e frísios, sendo esse último grupo aquele que interferiu na Cruzada ocidental para a conquista de Lisboa. Cristãos foram derrotados em Doriléia e Damasco. Diferença de forças entres cristãos e muçulmanos, com vantagem para estes últimos. Saladino, líder muçulmano e hábil política e militarmente, toma regiões que cercavam os estados cristãos e, por fim, retoma Jerusalém(1187). É dessa Cruzada que participa a rainha Eleonor de Aquitânia.

  • Terceira Cruzada(1189-1192): a tomada de Jerusalém comove os cristãos para uma nova Cruzada. O papa autoriza indulgência para aqueles que não podem ir à expedição, mas que podem financiá-la. Aqui aparecem três soberanos que tomam a cruz: Filipe Augusto da França, Ricardo Coração de Leão da Inglaterra e o imperador alemão Frederico Barba Ruiva. Nessa cruzada juntam-se guerreiros da Escandinávia e marinheiros de cidades italianas. Aparentemente forte, essa cruzada não tinha um comando centralizado, o que desgastava e enfraquecia os guerreiros e o espírito cruzadista. Com a ajuda dos franceses e ingleses, os cristãos tomam Acre que se torna ponto de apoio ocidental.

  • Quarta Cruzada(1202-1204): é a primeira cruzada contra cristãos. Há uma tolerância entre cristãos e muçulmanos devido à convivência, novos interesses comerciais e políticos, além da liberdade de peregrinação conseguida por tratados e isso enfraquecia o espírito do movimento e afastava, muitas vezes, dos objetivos originais. Como a Primeira Cruzada, foi incentivada por um Papa(Inocêncio III) e foi movimentada pela nobreza feudal, mas não por soberanos, na maioria franceses. Veneza fornecia transporte e provisões em troca de dinheiro e de metade das conquistas. Veneza aceita apenas um representante papal que tenha funções espirituais. O espírito cruzadista tinha sido tomado por uma proposta material. A Quarta Cruzada começa como um ato de rebelião contra o Papado e seu legado. Cruzadistas auxiliam a destituição para ganhar provisões e quitarem a dívida contraída com os venezianos que auxiliavam financeiramente a Cruzada.

  • Quinta Cruzada(1217-1219): O IV Concílio de Latrão(1215) prega a necessidade de uma nova Cruzada que reúne francos da Síria, austríacos, húngaros, cipriotas, noruegueses e frísios. O plano era atacar o Egito para enfraquecer os muçulmanos e tomar Jerusalém. Conquistam Damieta, mas pela demora na ocupação do Cairo são derrotados pelos árabes.

  • Sexta Cruzada(1228-1229): realizada pelo imperador alemão Frederico II e a moral do lucro sobrepujava os valores espirituais. O imperador tinha sido excomungado pelo papa e não contou com o apoio dos católicos do Oriente. O tratado de Jafa torna Jerusalém e outros territórios abertos, conservando tanto as mesquitas muçulmanas como o Santo Sepulcro dos cristãos. Os mongóis entram no jogo, liderados por Genghis Khan na sua passagem destroçam muitas populações.

  • Sétima Cruzada(1248-1250): o Concílio de Lyon prega uma nova Cruzada, mas a reposta a esse apelo foi fraca, apenas a França tinha condições de participar, através de seu rei Luís IX(São Luís), pois outros países estavam envolvidos com seus próprios problemas internos. O objetivo, novamente, era tomar o Egito. Conquistaram novamente Damieta, mas pelas mesmas causas foram derrotados ao tentar atacar o Cairo. Restituíram Damieta e ainda pagaram uma certa quantia em dinheiro.

  • Oitava Cruzada(1270): São Luís se fez cruzado novamente e contou com poucas adesões. Uma epidemia na Tunísia matou centenas de cruzados, inclusive São Luís. São Luís era o único a acreditar no espírito cruzadista. A Cruzada fracassou e retornaram para a França.

Existiam vários tipos de expedições, e o que tinham em comum era a tomada de territórios que estivessem nas mãos dos infiéis. Um exemplo é a Cruzada da Península Ibérica, onde cruzadistas auxiliaram na retomada dos territórios da Península que se encontravam nas mãos dos muçulmanos, um processo que ficou conhecido por Reconquista Cristã. Um outro aspecto é que na Península Ibérica havia Santiago de Compostela, também consagrado como caminho de peregrinação, assim como Jerusalém. Em uma dessas expedições participou inclusive Carlos Magno com seu exército, como vemos na gesta medieval A Canção de Rolando, que mostra a batalha contra os árabes em Roncesvalles. El Cid ficou consagrado pela tomada de Valência, e Lisboa também foi tomada, gerando o reino independente de Portugal. Outra Cruzada foi a dos Albigenses(1209-1226) contra os hereges do sul da França. Essas cruzadas visavam tomar os territórios para a Cristandade e banir aqueles que iam contra a política papal. Para os cruzados dessas expedições, a Igreja fornecia os mesmos privilégios para os combatentes das Cruzadas ao Oriente que era a indulgência e a remissão dos pecados. Com o passar do tempo, os objetivos cruzadistas passaram de espirituais a interesses políticos e econômicos.