De Hontanas a Boadilla del Camino - 28,5 km
A Santiago: 430 km
Terça-feira, 25 de Setembro de 2001
Dormi precariamente em Hontanas. Um italiano próximo da minha cama roncou, toda a noite, um ronco poderoso e sonoro, com direito a rebate com assobio forte.
Tivera contato com
esse italiano na minha chegada ao refúgio de Hontanas. Falei que minha região no Brasil devia muito à forte colonização italiana. Ele comentou que seus patrícios não costumam ser numerosos no caminho porque não dá dinheiro.
Ri muito e falei que tinha evitado esse tipo de comentário para não ser desagradável. O italiano falou que não tinha problema, porque se sentia cidadão do mundo, em primeiro lugar, e só depois, italiano e romano.
Seria
bom que o cidadão do mundo cuidasse mais de não perturbar os cidadãos do caminho com seus roncos.
Levantei por volta das 7h e pus o pé no mundo, mesmo não sendo um cidadão dele como o italiano roncador. Caminhei com
gana até as ruínas do Convento de Santo Antão, antes de Castrojeriz. Ruínas impressionantes ! Monges do Século XI, que cuidavam os leprosos e acreditavam numa cosmogonia oriental. Na verdade, tratava-se de uma ordem iniciática,
com uma vivência religiosa e espiritual fora do que era comum.
Tomei café em Castrojeriz, que também impressiona com suas ruelas medievais e seu "castro" no alto da montanha, de origem visigoda ou até romana, cenário
de muitas batalhas entre mouros e cristãos, em outros tempos, que parecem estar retornando na espiral da história.
Deixei Castrojeriz, subi e desci a última montanha antes das planuras palencianas. Descansei um pouco
ao longo do caminho, passei direto, sem almoçar, por Puente Fitero e Itero de Vega. Não tinha fome, porque o café em Castrojeriz fora no capricho. Antes de alcançar a bonita ponte sobre o rio Fitero, passa-se por um antigo,
curioso e desativado convento, de onde parece que, de repente, poderá sair um monge medieval.
A certa altura, repousando numa área de descanso antes de Puente Fitero, encontrei um peregrino que faz o caminho, desde Roncesvalles,
como quem volta para casa: mora a 30 Km de Santiago de Compostela. Dele recolhi a idéia de ficar em Boadilla del Caminho ao invés de ir até Fromista, encurtando a etapa de hoje e tornando um pouco mais longa a etapa de amanhã,
até Carrion de los Condes.
O albergue de Boadilla del Caminho é particular, simpático e acolhedor. Novamente tentei ligar para casa, mas os telefones locais não aceitam "tarjetas", só pesetas.
Fiquei com bastante
tempo livre no albergue, onde cheguei cerca de 15h30min. Comi um bocadilho com um pouco de vinho, tomei banho, lavei roupas e descansei um pouco, enquanto não chega a hora da "cena", às 20h.
Dei uma volta pelo lugarejo,
olhei a igreja e descobri que se trata do lugar de nascimento de Nicolau de Boadilla, um dos colegas de Inácio de Loyola no Colégio de França e seu companheiro, com outros, na fundação da Companhia de Jesus.
A etapa
de amanhã promete não ser difícil.