FAQ

por Zerob Peregrino

Preparei esta FAQ (Frequently Asked Questions) para começar as sanar as primeiras dúvidas dos que pensam em trilhar o Caminho de Santiago, seja a pé ou em bicicleta. Procurei as perguntas que mais me fazem sobre o assunto. Espero que os ajude.


É o caminho que foi formado pela passagem dos cristãos que saíam de todas as partes do mundo para rezar no túmulo do Apóstolo Tiago, encontrado na Galícia há cerca de mil anos atrás.

Por vários motivos. Isto é muito pessoal.

Alguns o fazem por motivos religiosos, outros por motivos místicos, outros artísticos e culturais, outros esportivo.

Uns vão por simples turismo, outros por aventura, outros para meditar, outros para conhecer pessoas, outros por promessa, etc.

Fazer o Caminho de Santiago é importante e marcante na vida de cada um. Durante o Caminho, conhecemos dezenas de peregrinos, carregando dezenas de razões.

O Caminho de Santiago não tem início. Na Idade Média, os peregrinos partiam de todas as partes do mundo rumo à Santiago de Compostela, onde o Caminho termina (alguns livros dizem que não - termina em Finisterre).

Seu trecho mais conhecido é chamado de Caminho Francês que, como o nome diz, vem da França, atravessa a cordilheira dos Pirineus e penetra na Espanha pela região da Navarra (País Basco Espanhol) e continua em direção oeste até a Galícia, onde se situa a cidade de Santiago de Compostela, sua capital.

É composto, na maior parte do trajeto, por trilhas de terra batida, barro, pedras, antigas calçadas romanas e, as vezes, se confunde com as modernas rodovias ou caminha paralelo a elas, penetrando em cidades e pequenas vilas ("pueblos"), que aparentam não terem saído ainda da Idade Média.

Em todo o Caminho a paisagem é deslumbrante, oferecendo ao peregrino uma surpresa a cada curva.

São locais de hospedagem e acolhida de peregrinos e são, na maioria das vezes mantidos pelas prefeituras, governos das províncias, pela Igreja e pelas Associações de Amigos do Caminho de Santiago. Existem alguns refúgios particulares, mantidos por pessoas devotadas e dedicadas à causa da peregrinação.

São quase sempre limpos e razoavelmente confortáveis. Não têm roupa de cama (alguns até têm); os peregrinos devem levar seus sacos de dormir e colocá-los sobre as camas ou beliches. Existem, em quase todos, duchas quentes, locais para a lavagem de roupa, murais para recados e avisos, livro de registro e livro dos peregrinos, onde todos registram suas impressões.

Os refúgios são cuidados pelos hospitaleiros.

São ex-peregrinos voluntários que dedicam períodos de férias a trabalhar em refúgios, cuidando da sua administração. Em alguns refúgios, são padres, em outros são empregados das prefeituras.

Fica a sua escolha. Porém, existem lugares que tradicionalmente são marcados como início do Caminho de Santiago na atualidade.

No Caminho Francês, costuma-se iniciar a marcha em Roncesvalles, já na Espanha.

Nós preferimos começar em Saint Jean Pied-de-Port, cerca de trinta e cinco quilômetros antes, na França, por vários motivos, dentre eles poder cruzar os Pirineus e aproveitar este trecho magnífico do Caminho. Queríamos também conhecer Madame Debrill, famosa hospitaleira daquela cidadezinha, presidente da Associação de Amigos do Caminho de Santiago de lá, citada no livro "Diário de um Mago" do Paulo Coelho. Além do mais esta cidade parece um cenário dos livros dos contos de fadas que líamos na infância.

Se optar por começar pelo chamado Caminho Aragonês, pode-se iniciar por Somport, Canfranc ou Jaca.

Sim, existem. Se os peregrinos partiam de todos os lugares, é de se esperar que haja vários caminhos. Porém, daqueles que partiam da Europa, fora da Península Ibérica, os principais que alcançam o território espanhol são o Caminho Francês e o Caminho Aragonês que se juntam poucos quilômetros adiante, numa cidade chamada Puente de La Reina. Daí em até Santiago de Compostela, mantém o nome de Caminho Francês. Dentro da Península Ibérica vários são os caminhos a Santiago, como a Via de la Plata, o Português, o Primitivo, o Caminho do Norte e muitos outros.

É a credencial do peregrino, enquanto estiver trilhando o Caminho de Santiago.

Nele, o peregrino colherá os carimbos ("sellos"), nas cidades e pueblos por onde passar, para provar que cumpriu o trajeto mínimo para ter o direito a receber a chamada "Compostelana" (Certificado de conclusão do Caminho de Santiago).

Os últimos 100 km a pé ou 200 km em bicicleta já bastam para dar direito à Compostelana. Mas você, é claro não vai se contentar com tão pouco.

Conhecido como a "Compostelana", é emitido no escritório de recepção de peregrinos em Santiago de Compostela; é a prova de ter cumprido o Caminho de Santiago.

Aí vai uma dica para quem quer economizar: tire várias cópias da Compostelana e vá todos os dias ao Hostal de Los Reyes Católicos nos horários do café da manhã, almoço e jantar. Os dez primeiros peregrinos a chegar comem de graça durante três dias.

Sem dúvida levar sua própria bicicleta.

Imagine se o peregrino a pé usar uma bota recém comprada para fazer o Caminho de Santiago. Certamente vai machucar os pés nos primeiros quilômetros e comprometer toda a jornada.

O mesmo se pode dizer sobre a bicicleta. O ideal é levar a bicicleta que você estiver acostumado a pedalar sempre, evitando surpresas para a sua coluna vertebral e para o resto do corpo.

Converse com a empresa aérea escolhida para a viagem na época da compra da passagem; sempre existe a possibilidade da liberação de mais alguns quilos de bagagem para você, um passageiro especial, com certeza. Talvez você nem necessite usá-los, mas é sempre bom, caso na volta você queira trazer umas coisinhas de recordação do Caminho de Santiago. No nosso caso, trouxemos muitos livros e impressos em geral, o que acarreta muito peso.

A bicicleta pode ser acondicionada em bolsas especiais para o transporte das mesmas, que pode ser adquirida em boas lojas de bicicleta, e que facilitará o carregamento nos trajetos entre aeroporto e albergue ou hotéis e estações ferroviárias ou rodoviárias.

Você pode também transportá-la dentro da própria caixa de papelão da bicicleta. É fácil de conseguir uma nas lojas, caso não tenha mais a sua.

Outro modo, que considero o melhor, foi sugerio pelo Aurelio e experimentado por mim em setembro de 1998, quando percorri a Vía de la Plata é, depois de desmontada, embrulhar a bicicleta utilizando plástico bolha (papel de borbujas - se chama na Espanha), sacos de lixo grandes, fita adesiva e cordas. Na volta é facil comprar tudo isto em Santiago para fazer a embalagem, evitando ter que carregar ou despachar a bolsa de transporte. Além do mais, sabendo fazer direito, consegue-se um embrulho que cabe facilmente em uma mala de um carro médio, facilitando bastante o transporte.

Saímos do Rio de Janeiro rumo a Madrid em avião, de lá tomamos um trem noturno até a fronteira Espanha/França (Irun/Hendaya). Logo em seguida tomamos mais um outro até Bayonne e de lá mais um até Saint Jean Pied-de-Port.

Nesta última estação foi que montamos as bicicletas para no dia seguinte, bem cedo, iniciar o Caminho de Santiago.

Se você utilizar os trens regionais poderá transportar gratuitamente a bicicleta. Veja no site da Renfe os horários de todas as linhas de trens regionais.

É só viajar a noite de cabine, que você poderá levar a bicicleta como parte da bagagem e colocá-la sob um dos leitos inferiores da cabine. A passagem é um pouco mais cara, mas se economiza uma noite de hotel.

A bagagem deve ser a mínima possível e seu peso não deve ultrapassar os 12 quilos. Você é capaz de pedalar carregando mais peso que isto nos alforges, mas é aconselhável que você reserve espaço para, durante a jornada, transportar alimentos, ou qualquer lembrança que você queira adquirir.

Um macete para não ficar pedalando com peso excessivo é enviar o que queira pelo correio em seu próprio nome para Madrid ou Santiago, e lá chegando, antes de tomar o avião de volta, recolher a correspondência na agência, e trazer.

Deve-se levar somente o básico, como câmara reserva e bomba (se quiser pode levar reparo para câmara), ferramentas para corrente, troca de pneus, chaves de boca, chave de fenda e phillips.

Para que não tenha surpresas desagradáveis com a bicicleta, o ideal é, antes de partir, submetê-la a uma revisão completa, equipando-a, caso seja necessário, com coroa, corrente e pinhão novos (aconselha-se a usar uma relação de transmissão que suavize o esforço das montanhas excessivas), assim como também cabos de câmbio e freio, sapatas de freio.

É aconselhável, ainda, equipar sua bicicleta, caso ainda não disponha, de suspensão dianteira (indispensável), bar end, paralamas, bagageiro, protetores de câmara de ar (tipo Mr. Tuffy), sinalizador traseiro e farol dianteiro (se pensar em pedalar a noite, o que não é aconselhável).

Alguns livros insistem que o Caminho de Santiago só termina em Finisterre.

Finisterre, que fica no litoral da Galícia, era considerado o ponto mais ocidental do continente europeu e lá, desde a antiguidade quando se acreditava que a terra era plana, se dizia que era o fim da terra. Dizem ainda, que o peregrino, ao chegar a Finisterre, deve praticar um despojo, simbolizando mandar para fora deste mundo os males que aflingem a cada um. Na Idade Média, alguns peregrinos se despiam e queimavam as vestes em Finisterre.

Leia o relato de Marcio Guedes para maiores detalhes sobre o Caminho até Finisterre.

Depende da fome e da sofisticação de cada um. Nós, comprávamos frutas, pães, queijos, salames, sucos de fruta (em caixas - são excelentes e nutritivos), etc, para fazer nosso café da manhã, e na maioria das vezes, na hora do almoço, lanchávamos semelhantes coisas que comprávamos nos mercados. Isto nos deixava mais leves e bem alimentados.

Todo ciclista sabe o quão fundamental é a alimentacão na prática deste esporte. Em geral, costuma-se dizer que você não deve esperar a sede chegar para beber água nem a fome, para comer algo. É importante levar sempre algo nos alforges para mastigar de vez em quando.

Sempre jantávamos, e aí, invariavelmente pedíamos "menú del peregrino" ou "menú del día", que não sai mais que US$ 10,00 (em alguns lugares, muito menos) e são compostos de dois pratos (um de entrada e um principal), pão a vontade, vinho e sobremesa. Em geral gastávamos cerca de US$ 20,00 diários por pessoa com alimentação. (Estes são valores de 1995. Atualmente - 2020 - os menús estão entre €12,00 a €15,00).

Outra dica: aproveite o que o Caminho tem a oferecer. Ninguém vai reclamar se você pegar um cacho de uvas, maçãs, amoras e outras frutas que se pode encontrar em grande quantidade pelo Caminho afora. Mas sem abusar e apenas os que estão à margem do Caminho. O que se ouve é que são para agradecimento à Santiago, pelas boas safras. Procure saber em cada região, por via das dúvidas.

É praticamente impossível. São inúmeros os "roteiros" do Caminho de Santiago que são vendidos em todas as partes. Mas mesmo que você não adquira nenhum deles, as setas amerelas estão em todos os lugares para indicar o Caminho. Nas árvores, nas porteiras, no chão, nas paredes, nas pedras. Em todos os cantos se vêm as setas amarelas. Além do mais, os "pueblos" são muito próximos uns dos outros, e sempre existe alguém para dar uma indicação.

Faça o Caminho de Santiago na primavera ou no outono europeus.

No inverno, nem pensar. No verão, além de ser muito quente em boa parte da região atravessada, há uma superlotação do Caminho de Santiago. Muita gente em férias, os albergues ficam cheios demais.

Nós fizemos o Caminho no outono europeu passado e apesar de estar fazendo muito frio, só choveu por dois dias, nos demais o sol esteve sempre presente. Só o vento soprou forte em alguns pontos, na parte da tarde, mas isto não é regra segundo nos informaram.

Gente de todas as partes do mundo, de todas as idades e de todas as classes sociais.

Conhecemos um casal de espanhóis que fazia sua lua de mel no Caminho; conhecemos um padre holandês que saiu de sua casa na Holanda, de bicicleta e chegou conosco a Santiago com os seus 70 anos e ajudou a rezar a nossa missa do peregrino.

Conhecemos um austríaco que fazia o caminho com um burro; conhecemos um grupo de americanas, que pertenciam a um associação de estudos medievais, que peregrinavam vestidas como se estivessem na Idade Média.

Conhecemos austríacos, alemães, belgas, franceses, ingleses, dinamarqueses, colombianos, brasileiros, argentinos e tantos outros, cada qual com sua história para contar, empolgados com as belezas e estimulados com as forças do Caminho de Santiago.


Bicicleta usada por José Roberto, na pequena estação de trens de Saint Jean Pied-de-Port

E tem mais:

E tem muito mais ainda...