10ª Jornada – Juan
Parti de Puente la Reina ainda no escuro, vez que tencionava pernoitar em Los Arcos, 45 quilômetros à frente. Exatamente às 12 h cheguei à belíssima cidade de Estella, e fiz uma pausa, então, para ir até a agência dos Correios
e Telégrafos despachar alguns pertences, para posterior retirada em Santiago, como forma de aliviar o peso de minha mochila. Na fila do guichê, conheci um peregrino espanhol que ali se encontrava com o mesmo objetivo.
Enquanto
aguardávamos atendimento, ficamos a conversar. Juan tinha aproximadamente 50 anos, era esbelto, porte atlético, com uma fala macia, genuína e sofisticada. Ele era professor universitário em Valência, e os muitos anos dedicados
ao ensino de jovens, tinham levado à perfeição sua capacidade oratória. Além de sua dicção perfeita, sua noção de momento oportuno e seu tom de voz eram cativantes.
Contou-me, consternado, que sua esposa falecera, repentinamente,
em 05 de abril passado, portanto, há 10 dias. Por orientação médica, ele ficara 48 h sob efeitos de calmante, entretanto, quando retornara à realidade, adentrara a um profundo estado depressivo.
Tentava afastar os pensamentos
sombrios que lhe tumultuavam o cérebro e as questões por ele suscitadas, contou-me, mas não pudera esconder inteiramente de si mesmo a conclusão essencial que havia algo errado com ele, de que alguma coisa estava a lhe faltar.
Talvez a fé.
Assim, por sugestão de amigos e, também, do padre de sua paróquia, solicitara licença do trabalho e resolvera percorrer o Caminho para colocar as idéias em ordem. Porque, como confidenciou-me, cada alma
tem sua alvorada e seu crespúsculo, e o esforço de polir suas arestas é só nosso.
Uma de suas maiores dificuldades, conforme revelou-me, era o fato de que não conseguir dormir em albergues. Depois de passar a primeira
noite insone em Roncesvalles, local onde iniciara sua peregrinação, decidira, a partir de então, pernoitar sempre em pensões ou hostais.
Sua cátedra acadêmica, propiciava-lhe obter generosos descontos na hora de acertar
as contas. Assim, estava ali para despachar seu saco de dormir e outros acessórios, já que não iria utilizá-los mais durante a jornada.
Despedimo-nos na ponte sobre o rio Égea que corta a cidade, porém, como ele entremeava
longas caminhadas, com outras de pequena extensão, e eu fazia uma média razoável por dia, acabamos nos encontrando e conversando outras vezes durante a jornada.
A derradeira, em Palas de Palas, quando confessou-me que
no dia seguinte pretendia seguir, sem descanso, até Santiago, assim, fiz com que refletisse e considerasse a impossibilidade de tal façanha, vez que a distância representava quase 80 quilômetros.
Ele, no entanto, estava
inflexível em seu ideal e, então, naquele dia, nos despedimos definitivamente. Mas, quis o destino que nos encontrássemos, ainda, mais uma vez, já em Compostela. Surpresa agradabilíssima, porque foi uma das personalidades mais
marcantes e emblemáticas que encontrei no Caminho.