De Lourdes a Santiago de Compostela

por  OSWALDO BUZZO

13ª Jornada - Um Encontro Inesperado


Aportei à Nájera num sábado à tarde, debaixo de muita chuva, e me hospedei no confortável albergue local que se localiza no lado oposto de quem adentra a cidade, capitaneado à época, pela conterrânea Ester.

Na manhã seguinte, ainda no escuro, por volta das 6 h, retornei, seguindo as flechas amarelas, indo parar no outro lado da cidade, em direção a uma lanchonete que não fechava à noite, local agradável que escolhi para fazer meu desjejum. O dia ainda estava escuro, e em alguns bares os garçons já carregavam sacos de lixo para o meio-fio.

Bem alimentado, iniciei minha jornada com bastante ímpeto, pois, era domingo, e pretendia assistir à missa das 12 h na Igreja Matriz de Santo Domingo de la Calzada. Todavia, ao atravessar novamente sobre o rio Najerilla, notei um grupo de jovens encostados na guarda lateral da ponte, conversando animadamente.

Ao passar por eles, um garoto aparentando ter uns 15 anos, alto, magro e espigado, com cigarro numa mão e copo na outra, separou-se do grupo, acercou-se de mim e, chamando-me de “tio”, tentou convercer-me a tomar um gole da bebida que portava.

Educadamente recusei, explicando-lhe que não costumava beber àquela hora e, também, porque tinha um longo percurso a vencer pela frente. E, enquanto falava, fui me desviando para o lado e seguindo em frente, de maneira firme e obstinada.

Isso não arrefeceu o ímpeto de sua investida, porque, não satisfeito, começou a caminhar ao meu lado, entretanto, repentinamente, reconhecendo-me peregrino, de maneira respeitosa, perguntou minha procedência e a razão de minha caminhada.

Caia uma fina garoa, e sob a luz difusa da iluminação urbana, expliquei-lhe meus princípios, crenças, razões e o porquê de estar ali naquele momento. Contei-lhe, também, sucintamente, de minha vida e hábitos.

De sua parte, disse ser filho de uma família proeminente e de bom nível social na cidade, como pude observar pelo seu traje e modo de se expressar, pois, segundo confidenciou-me, seu pai era um empresário de sucesso e sua mãe professora.

Seguimos, vagarosamente, guiando-nos pelas flechas, conversando sobre nossas experiências pessoais. Tentei dissuadi-lo, explicando que a habitualidade dos nefastos vícios de fumar e beber, poderia conduzi-lo a resultados funestos no futuro. E, ainda, estimulei-o a praticar esportes, enfatizando a propriedade do dueto: “corpo são, mente sã”.

Nesse diapasão, quando dei por mim, estava novamente defronte ao albergue. Fiz ali uma parada providencial para vestir minha capa, eis que a chuva apertara de vez. Enquanto eu reafivelava minha mochila, o jovem depôs seu copo no parapeito de uma janela, atirou o cigarro longe e disse-me: - “tio”, me dá um abraço de despedida?

Dei-lhe um demorado e forte amplexo e senti correr nas veias uma terna letargia agradável. Por alguns instantes senti uma intensa troca de energia. Naquele momento as palavras deixaram de ter importância. O silêncio foi o mensageiro da luz.

Concomitantemente, senti um nó na garganta e a emoção transbordou em meu peito. Chorei silenciosamente. Eu que não me comovia facilmente, havia sucumbido diante de mais um dos tantos milagres do Caminho.

Foi, possivelmente, um dos momentos mais tocantes de toda minha jornada, um instante único que não se esquece, vez que fica indelével nas porções mais profundas do nosso subconsciente.

Depois daquele gesto, segui em frente gratificado pelo ocorrido, na esperança de ter transmitido um pouco de hombridade e educação àquele jovem, aparentemente tão carente de atenção e conselhos.

E tem mais:

E tem muito mais ainda...