8ª Jornada – Doente
Desde alguns dias vinha sentindo um certo desconforto estomacal conjugado com uma forte dor do lado esquerdo do peito, que aguçava, notadamente, após às refeições. Aportei em Monreal, final da minha 8ª etapa no Caminho, por
volta das 15h 30min e não encontrei vivalma no albergue. Um aviso na parede escrito pela hospitaleira, dava conta de que ela retornaria em aproximadamente 40 minutos. Extremamente faminto, deixei ali meus pertences e me dirigi
ao único restaurante da cidade para comer.
Após a refeição retornei ao refúgio e, quase de imediato, comecei a passar mal, com sintomas de tontura, cabeça pesada, náuseas, taquicardia, leve dor no peito e intensa sudorese.
Dois jovens peregrinos espanhóis que haviam chegado preparavam saborosa macarronada, e me convidaram alegremente para compartilhar do vinho que bebiam, o qual prudentemente recusei. Da hospitaleira mesmo, nem sinal.
Extremamente
debilitado e sem forças, deitei-me num beliche e aguardei melhoras. Entrementes, com o passar do tempo, a dor foi-se acentuando e, percebi que lentamente estava perdendo a noção das coisas. Preocupado, pensando ser algo relacionado
com o coração, e já com alguma dificuldade em me locomover, resolvi buscar ajuda no Hostal onde havia almoçado.
Ali, a gerente do estabelecimento recomendou-me uma farmácia próxima, que reabriria às 17 h, portanto, dali
a 10 minutos. No entanto, meu estado de saúde era precário, e lhe disse que possivelmente não conseguiria chegar lá caminhando, vez que pressentia indícios de desmaio iminente.
Preocupada, ao ver o estado lamentável
em que me encontrava, rapidamente colocou-me em seu carro e seguiu para lá, onde apavorada, chamou com espalhafato pela responsável que residia no andar superior do estabelecimento. Durante o trajeto, deitado no banco traseiro
do automóvel, pensava nas peças que o destino nos prega: um absurdo, raciocinava, partir saudável e esperançoso do Brasil, para fenecer em terras estrangeiras, solitário e distante da família e dos amigos.
A farmacêutica
que me atendeu, muito competente e atenciosa, fez-me um breve exame e depois de medir a pressão por algumas vezes e constatá-la dentro dos parâmetros de normalidade, disse-me que meu mal nada tinha a ver com o coração, o que
deixou-me aliviado. Não me receitou medicamentos de espécie alguma, apenas sugeriu que deveria guardar repouso absoluto até obter melhoras. Se isso não ocorresse num prazo de duas horas, ela chamaria um médico em Pamplona,
já que nenhum profissional dessa área residia naquela localidade.
Mais calmo, e verificando que a hospitaleira ainda não havia retornado ao albergue, apanhei meus pertences e me mudei definitivamente para o Hostal onde
aluguei um quarto a preço acessível. Melhor instalado, fiz um inventário dos remédios que tinha comigo, separei uns 7 comprimidos, desde analgésico até calmante, um para cada sintoma que sentia, e fui ingerindo-os lentamente,
acompanhados por 2 litros de água. Uma hora depois já me sentia bem melhor e pude retomar à vida de peregrino.
Durante o tempo restante que passei na Europa, fui surpreendido com algumas recidivas desse mal inexplicável.
Ao retornar para o Brasil, após alguns exames complementares, detectou-se que eu estava com “Intolerância à Lactose”, doença que não suspeitava enquanto me encontrava no exterior. E como cuidava para não ingerir carne de espécie
alguma, usava e abusava de queijos e derivados, razão prescípua da agravância de minha enfermidade.
Considero relevante, ao divulgar este episódio, enfatizar uma situação a que todos estamos sujeitos quando em outras
plagas e, é importante ressaltar dois aspectos desse fato: primeiro, a solidariedade daqueles que residem à beira da Rota, no meu caso específico, clarificado pela atenção e cuidado que recebi de pessoas que, não me conheciam,
e que, gratuitamente, de tudo fizeram para que eu me recuperasse. Depois, a necessidade de se levar do Brasil uma pequena, mas variada farmácia, vez que na Espanha dificilmente se adquire algum medicamento sem receita médica.