De Lourdes a Santiago de Compostela

por  OSWALDO BUZZO

14ª Jornada - Carrinho


Estava eu sentado na porta do albergue de Santo Domingo de la Calzada, à tarde, tomando sol e descansando, quando ali chegou um peregrino velho e compenetrado, literalmente, arrastando as pernas e as idéias. E o mais interessante, e que me chamou vivamente a atenção, foi que estava puxando uma engenhoca de duas rodas, onde levava seus pertences.

O “trombolho” ficou estacionado do lado de fora, em pé, e eu com uma curiosidade latente, pude inspecioná-lo melhor. O artefato nada tinha de sofisticado, vez que se tratava simplesmente de uma “carrocinha” de metal, contendo uma divisória interna, chapa da aço no fundo, reforço nas lateriais, e rodas altas de ferro.

Na verdade, o dono dele estava de passagem, e sua entrada no refúgio fora apenas para carimbar a credencial. Depois, sentou-se a meu lado e ficou a aguardar seus outros dois companheiros que, logo, chegaram, e que, coincidentemente, também se utilizavam do mesmo tipo de equipamento para transportar a bagagem.

Formavam uma “troupe” engraçada, todos na mesma faixa etária. Enquanto os outros dois eram altos e magros, com cabelos brancos e revoltos, o Sr. Carlos, que se autoproclamava chefe do grupo, era atarracado, calvo, pescoço taurino, cabeça poderosa.

Disse-me que residiam todos na Província de Extremadura, sul da Espanha. Particularmente, contou-me, que fazia essa peregrinação todos os Anos Santos, desde que se lembrava por gente.

Agora, já perto dos 80 anos, confessou-me que suas costas não aguentavam o peso da mochila. Assim, resolvera inovar e tivera a brilhante idéia de adptar o carrinho de feira da mulher, para tal finalidade. No que fora, imediamente, imitado por seus leais amigos.

Como pretendiam pernoitar em Granón, sete quilômetros à frente, partiram rapidamente. No dia seguinte alcancei-os próximo da cidade de Redecilla del Caminho, e seguimos por um bom tempo conversando. Caminhavam lentamente, com olhos inquiridores no céu plúmbeo que nos cobria.

A chuva da véspera deixara a trilha extremamente enlameada, comprometendo o bom desempenho dos carrinhos. Quando um deles sucumbia sob o espesso e grudento barro, lá vinham os demais companheiros, solícitos com seus cajados, ajudar o dono no desencalhe.

Logo depois de ultrapassarmos Castildelgado, fizeram uma pausa para descanso e, acreditem, coar café. Sim, porque além da mala de viagem, um banquinho dobrável para descanso, e um enorme guarda-chuva, o Sr. Carlos levava consigo, também, um pequeno fogareiro e o indispensável butijãozinho de gás.

Eu, após calorosas despedidas, segui em frente e nunca mais tive notícias deles. Espero, com sinceridade, que tenham conseguido chegar à Santiago, pondo bom termo à peregrinação.

E tem mais:

E tem muito mais ainda...