A Translação do Corpo para a Galicia
Nesse artigo iremos travar conhecimento sobre o que fizeram seus discípulos após o Apóstolo ter sido julgado e degolado a mando de Herodes Agripa I e o seu corpo ter sido jogado fora dos muros da cidade para ser devorado pelas
feras.
Após sua morte, começam as variações nas histórias sobre o Apóstolo. A mais comum refere-se que os discípulos de Tiago, Teodoro e Atanásio, devido ao fato de que Herodes ter proibido que não se executassem nada
dentro dos muros urbanos para não contaminar a cidade e como uma lição para os vivos, durante a noite, com um grupo de cristãos, recolheu os restos mortais que tinham sido atirados fora dos muros da cidade para que os cães,
as aves de rapina e as feras o devorassem.

Ninguém duvida sobre a decapitação de Santiago na cidade de Jerusalém, porque a notícia dos Atos dos Apóstolos é clara a este respeito. Onde é que o mesmo foi enterrado? Alguns documentos antigos, depois de falar do martírio
na Cidade Santa, acrescentam “ibique sepultus est”: ali foi enterrado. Mas seria estranho que não houvesse nenhuma notícia do culto, sobretudo tratando-se do primeiro dos mártires do colégio apostólico. Sinal de que não
havia consciência do seu enterramento em Jerusalém.
Naquele tempo já havia meios de conservação dos cadáveres bem como a existência do trafego de embarcações até a costa ocidental da península Ibérica, no entanto
a lenda informa que os seus discípulos levaram o corpo até à orla do mar onde, numa barca sem leme nem vela, guiados pôr um anjo, empreendessem a viagem de regresso a Hispânia (península Ibérica), onde o Apóstolo teria
realizado sua pregação. Navegando desde a Palestina, passam pelas colunas de Hércules (Gibraltar), bordejam a “Lusitânia” (costa de Portugal) chegando após sete dias de navegação à Vila Arosa, na atual Galícia, onde a 8
de agosto encalha nas areias de Padrón.
No entanto na lenda do Cavaleiro Caio, em um dos seus trechos há uma contestação à versão acima, quando diz: “Cavalgavam pelo areal quando alguém avistou no mar uma barca navegando
com a proa para o norte. Pararam todos para observar a majestosa beleza da embarcação, que vogava calmamente com todo o pano desfraldado”.
Desta aventura marítima nasce o mito que fez das conchas de Vieira um dos
símbolos dos peregrinos a Santiago de Compostela. Um cavaleiro que se afogou, quando seguia por terra à barca dos discípulos, regressou à superfície coberto por estas conchas. É assim que desde a Idade Média, a concha de
Vieira, posta no peito, ou no chapéu, se tornou à marca inequívoca que permitia o acesso às hospedarias.

Não poderemos aqui de deixar de tecer algumas considerações a respeito da chegada da embarcação nas areias de Padrón. Anteriormente escrevemos que Santiago durante a sua pregação na Península Ibérica, quando de sua passagem
por Padrón, fundou uma Igreja dedicada a Maria, e por conhecidência, ou deliberadamente, seus discípulos trouxeram o seu corpo para o mesmo lugar a procura de um local para sepultá-lo.
Há de se perguntar porque os
discípulos do Apóstolo levaram o seu corpo para a Galícia onde a lenda e a tradição também o informam? Poderemos tecer várias teorias sobre o assunto: a primeira porque era a terra na qual os mesmos detinham conhecimento
por nela morarem; a segunda porque Santiago tinha passado vários anos em sua pregação na Península Ibérica; e por último não podemos deixar de pensar e acreditar ser a mais viável, que o Apóstolo o teria solicitado em vida.
Após
a chegada à Vila de Arosa, Atanásio e Teodoro decidem subir o rio Sar (hoje Ulla) até Iria Flavia (atual vila Padrón), onde amarram a barca a uma coluna de pedra que se diz ser a mesma que está hoje sob o altar-mor da Igreja
Paroquial de Santiago de Padrón, colocam o corpo do Apóstolo sobre uma pedra que amolece e toma a sua forma convertendo-se em um sepulcro, milagrosamente, o que vem a dar o nome do lugar: Padrón.
Em seguida procuram
um local apropriado para enterrarem condignamente o corpo do Apóstolo e entram nos domínios de uma matrona galaico-romana conhecida como rainha Loba ou Lupa, uma dama pagã, rica e influente que vivia com a sua filha em
um grande castelo situado no velho Castro Lupário ou Castro de Francos nas proximidades de Compostela e pedem-lhe que os deixe sepultar o corpo de Tiago. Lupa era pagã e por isso os aconselhou a consultarem o governador
romano representante de César na região um tal Filotro, que residia em Dugium perto de Finisterra que logo os prende por defenderem a nova doutrina de Cristo.

Presos, conseguem fugir, segundo a lenda um anjo milagrosamente ajuda os dois discípulos de Tiago na sua fuga perante os soldados romanos, fazendo desabar a ponte de Nícraria (identificada como a ponte romana de “Nos”
ou “Puente Pias” sobre o rio Tambe, hoje sob as águas do enrrocamento da barragem de la Maza) logo após sua passagem, permitindo assim ficarem isolados. Diz-se que os seus vestígios ainda jazem no fundo do rio.
Os
dois discípulos voltam novamente à presença de Lupa que, nem com este espantoso fenômeno se comoveu, e para pô-los à prova, os aconselha ainda a ir a um monte próximo de nome Iliciano (hoje conhecido como Pico Sacro,
a 15 km de Santiago de Compostela) dizendo-lhes: “Ide aquele monte e buscai dois bois que atrelareis a este carro e levai vosso Amigo e vosso Mestre para sepultardes onde queirais!”. Sabia Lupa que não havia bois, mais
sim touros selvagens. Primeiro apareceu-lhes um dragão que os atacou, mas ao fazerem o sinal da cruz, o dragão desfez-se e quanto aos touros amansou-os com o mesmo gesto. Ao ver o acontecido, à rainha Lupa acaba por
se converter oferece-lhe abrigo e deixa-os enterrar o corpo de Tiago.
Começa então uma outra jornada até “Liberum Donum” ou “Libre-don”, (atual Santiago de Compostela), efetuada numa carroça puxada pelos bois.
Conta à tradição que os bois começaram a caminhar sem nenhum tipo de guia, e instintivamente, movidos pela sede, pararam num lugar que, escavaram, logrando que brotasse água. É a atual fonte do Franco, junto do Colégio
de Fonseca, lugar que posteriormente se levantou uma pequena capela como recordação ao Apóstolo, na rua Santiaguesa do Franco. Os animais continuaram o seu caminho até chegar a um terreno, de propriedade de Lupa que,
convertida finalmente a fé cristã, os doou gratuitamente para a construção de um monumento funerário.

Nesse local os discípulos colocam as relíquias numa arca de mármore que seria a “Arca Marmárica” ou as “Arcas Marmóreas” de que muito se fala à tradição, constroem sobre ela um altar e uma pequena capela, a qual
fica entregue aos cuidado dos dois discípulos que, ao morrerem, são sepultados ao lado do Apóstolo, assim justificando que fossem três os túmulos de mármore descobertos posteriormente oito séculos depois. O local
foi onde mais tarde se levantaria a Catedral, centro espiritual que preside a Cidade de Santiago de Compostela. A partir desse momento o corpo esteve escondido até que teve lugar a sua “Revelação”
Segundo
alguns, o local tinha sido ocupado por um cemitério da época romana passando a ser conhecido nos tempos medievais como “Campus Stellae”, que a partir de então ganha o nome de Compostela. A arqueologia posteriormente
demonstrou a real existência das tumbas romanas.
No próximo artigo, em continuação da História sobre o Apóstolo Santiago, abordaremos como surgiu a “Revelação”, ou seja: a descoberta do seu túmulo dando origem
a uma tradição.