Pequena História de Santiago

por Walter Jorge

O Carismático


Escrevemos anteriormente sobre a descoberta do túmulo do Apóstolo Santiago, o avanço das tropas muçulmanas conquistando grande parte da Península Ibérica bem como o início da queda do grande Império Romano.

A florescente vila de Santiago de Compostela estava em pleno desenvolvimento, os peregrinos partindo de várias partes do continente europeu efetuavam suas peregrinações ao túmulo do Apóstolo purgando os seus pecados, e assim nasce uma figura guerreira na pessoa daquele Apóstolo.

Nesse artigo veremos o que aconteceu.

Conforme nos conta a história, o rei Afonso II comunica imediatamente o descobrimento a Carlos Magno, que se apresenta em Santiago seguido por um séqüito. Este fato é bastante improvável, devido a que Carlos Magno morreu no ano de 814 d.C, mais tal afirmativa faz parte das lendas. O fato é que a notícia se estendeu pela Europa com bastante rapidez e os primeiros peregrinos começaram a aparecer a este “Locus Sanctus”. O Campo das Estrelas (Campus Stellae Compostela), a tradução mais popularmente aceita, onde os monges guardavam algo de muito prezado, um corpo de um Apóstolo de Jesus, que colocava aquele lugar à altura de Antióquia, Éfeso e mesmo Roma.

Representação da aparição de Santiago a Carlos Magno em Aquisgrán


No primeiro terço do século IX, quando a invasão muçulmana estava praticamente consolidada e unicamente os reinos do norte resistiam à sua dominação, fazia falta uma figura que unificasse as forças contra o inimigo comum e que, por sua vez, servisse de apoio moral a essa importante ação histórica.

No ano de 834, durante a ocupação árabe na Espanha, um pequeno exercito de cristãos encomendou-se ao Santo antes de entrar na batalha, derrotando posteriormente um numeroso exercito árabe formado por milhares de homens. Nas batalhas, se os mouros invocavam a Maomé, os cristãos a Santiago, e, assim aquele Santiago humilde, amigo dos pobres, confiante no poder da palavra, converteu-se num guerreiro.

Representação de Santiago Matamouros na portada principal do Convento de San Marcos


Segundo a lenda, foi na localidade de Clavijo situada à aproximadamente 17 km. de Logroño, onde Santiago tomou pela primeira vez a espada a 23 de maio de 834 d.C. e segundos outros 844 d.C. para ajudar a Ramiro I, rei de Astúrias (927-965), e, em pessoa, montado em um cavalo branco, erguendo um estandarte da mesma cor com uma cruz vermelha gravada em sua mão, percorre o campo de batalha decepando os mouros com a espada, infligindo uma pesada derrota aos árabes comandados pelo Cordobês Ald Al-Rahman II trazendo as glorias da vitória aos cristãos, dando origem a sua vocação guerreira com o epíteto de “Santiago Matamouros”. Comumente também existem referências ao nome “Santiago da Espada”. Segundo o historiador Cláudio Sánchez Albornoz, a fantasiosa batalha de Clavijo não poderia ser realizada por Ramiro I, mas pelo seu filho Ordoño I.

                  Santiago el de Espana,
                  los mis moros me mato,
                  desbarato mi compaña,
                  la mi seña quebranto...
                  Santiago glorioso
                  los moros fizo morir;
                  Mahomat el Perezoso,
                  tardo, non quiso venir.

(Santiago da Espanha/ matou os meus mouros/ desbaratou minha companhia/ quebrou minha senha/ Santiago glorioso/ fez os mouros morrerem: Maomé o Preguiçoso, tardou, não quis vir). Assim se expressou Abderramán II.

Entretanto a lenda informa que por gratidão, Ramiro I de León, redigiu um documento, chamado de “Diploma de Santiago”, ordenando que toda a Espanha conquistada e por conquistar, deveria realizar e perpetuar uma oferenda anual, realizada com os primeiros frutos do ano em beneficio à Catedral de Compostela. Durante os séculos seguintes, até os nossos dias, estas oferendas também chamadas de “Votos de Santiago”, têm sido realizado salvo raras exceções.

Desde então o Apóstolo Santiago converteu-se em protetor das forças cristãs nas mais importantes batalhas travadas pela Reconquista. A figura do Apóstolo Santiago associa-se desde então à obra da Reconquista como o de um anti-Maomé. Pouco a pouco os cristãos foram recuperando os seus domínios e convertem Compostela no principal foco de atração espiritual do reino Astur-Leonês. Um fenômeno que com o tempo, rivaliza-se com Roma e Jerusalém em poder de atração, sendo o maior centro de peregrinação em toda a cristandade.

Representação de Santiago Matamouros na portada principal do Convento de San Marcos


O bispo compostelano Diego Gelmirez tirando proveito dos acontecimentos, consegue obter no ano de 1101, uma bula papal confirmando o direito da sua diocese aos “Votos de Santiago”, isto é, as rendas por cada conquista aos muçulmanos. (Posteriormente abordaremos em separado o referido assunto denominado de “Privilegio – Os votos de Santiago”).

Em agradecimento à sua milagrosa ajuda será reconhecido como Padroeiro da Espanha. Essa proteção, mantida ao longo dos séculos, dará ao seu culto uma especial relevância em todo o contexto da cultura hispânica. Um Santo peregrino, uma relíquia apostólica, um guerreiro sublime... tudo isso abarca o culto a Santiago. E Santiago é a razão de ser de uma cidade, Santiago de Compostela que evoca amorosamente um túmulo, verdadeira base espiritual não só de uma Catedral, como também de todo o núcleo urbano que a rodeia e mesmo toda a Galícia.

Após a queda de Roma, Santiago de Compostela consolidou-se, tornava-se, assim, um dos três centros de peregrinação européia, ao lado dos que rumavam em direção a Terra Santa (Jerusalém) e a Roma.

Se olharmos para os primórdios de quando Tiago acompanhava a Jesus em suas pregações, iremos encontrar um Tiago com intenções guerreiras, quando o mesmo se exasperou devido a falta de hospitalidade dos samaritanos, ao negarem-se a recebê-los pelo fato de se dirigirem a Jerusalém, quando na oportunidade exclamou “Senhor, queres que digamos que baixe o fogo do céu e os consuma?” (Lc 9,55). Talvez por esse caráter fogoso é que Jesus lhe pós de sobrenome aos dois irmãos (Tiago e João) de Boanarges, “filho do trovão”, ou “filhos do trono” (Mc 3,17).

O filologo Juan G. Atienza em seu livro intitulado “Lendas do Caminho de Santiago” contestando sobre a referida batalha, tece os seguintes comentários:

“Parece absolutamente certo que ocorreu uma batalha naquelas terras, ainda que muito tempo depois – a chamada batalha de Albelda. Porém, o mito da extinção do Tributo das Cem Donzelas, que convenceu a cristandade de que o Islã não era tão invencível como se havia suposto (sempre que se aceita o patronato sobrenatural do Apóstolo), foi uma mentira habilmente tecida pela Igreja para esta desfrutar, como efetivamente desfrutou, de um patronato universal de Santiago sobre os pequenos reinos cristãos peninsulares, que se comprometeram a entregar á sede de Compostela tributos vitalícios que a enriqueceram incessantemente durante séculos. Patronato que, concretamente, até o início do século XIX, quando as cortes de Cádiz, em plena guerra napoleônica, terminaram com a secular sangria dos campos peninsulares por parte do prelado da catedral de Santiago como pagamento glorioso ao santo que Deus havia designado como patrono indiscutível da cristandade hispânica.”

No próximo artigo abordaremos a punição sofrida pela Cidade de Santiago pelos muçulmanos devido ao seu franco desenvolvimento.

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