O Apóstolo é Reencontrado
O caminho das peregrinações estava em uma decadência quase total, o número dos peregrinos havia decaído, a capital da província que era “Santiago de Compostela”, passou para a nova cidade situada na costa, denominada de “La
Coruña”, as rendas auferidas pelos Privilégios (vide capítulo 16 – Privilégio – Os votos de Santiago) eram contestados sendo suprimido definitivamente em 1834, o clero e a junta da Catedral de Santiago havia sido reduzido através
da Normativa da Concordata em 1851, a lei da Desamortização abalou profundamente a receita financeira não só da cidade de Santiago de Compostela (que não tinha industrias), como praticamente em todas as cidades, principalmente
as situadas na rota das peregrinações e para agravar a situação, a ocultação dos restos mortais do Apóstolo e de seus discípulos abalou a fé.
Algo necessitava acontecer, vejamos o que aconteceu posteriormente.
Inicialmente
seria interessante tomarmos conhecimento com o que nos informa José Suarez Otero sobre o assunto: “A segunda ocultação da tumba, com o conseqüente esquecimento, não será feito com a cumplicidade da natureza, mas sim no próprio
santuário em que se presta culto ao Apóstolo. Referimo-nos à intervenção de Diego Gelmírez nos inícios do séc. XII, que com a sua concepção do novo santuário românico substituiria aquelas primeiras arquiteturas em que a tumba
ainda tinha o papel principal. É assim que se destrói a parte superior do Mausoléu e se oculta definitivamente sob novo presbitério a parte inferior daquele, contendo as relíquias do Apóstolo. Deste modo, o Santuário, como
depositário e contendor dessas relíquias, passa a substituir o Mausoléu como espaço referencial do culto. Do caráter traumático desta substituição são testemunhos os protestos do Cabido Catedrático pelas mudanças que se estavam
a produzir”. (vide capítulo 13 – “A Reconstrução da Cidade”).
“O resultado da intervenção de Gelmírez vai ser uma longa etapa em que a tumba apostólica deixa de ser uma referência necessariamente imediata para a Fé,
embora permaneça como referente último na qualidade de contendor das relíquias. Ao mesmo tempo, vai sofrer as conseqüências de diversas intervenções arquitetônicas que atentaram contra a sua integridade, como as obras que se
realizaram no presbitério para adaptá-lo às necessidades ou aos gostos das diferentes épocas (o rebaixamento do chão à volta do altar-mor, como repercussão nas partes altas dos restos que ainda se conservavam no Mausoléu).
Também sofrerá às conseqüências da constante preocupação pelo seu conhecimento, que entre os séc. XVII e XIX derivarão em estudos históricos – obras de Oxea, Bugarín, Castellá, Foyo, etc -; embora estes estudos careçam de contacto
com a realidade material que focam. Daí que, em palavras do próprio Frei Joseph de Bugarín (1659), “lo que entonces fue evidencia, agora es solamente afección e fé mas que humana”. No entanto, a verdadeira gravidade está no
fato de tudo isso ter provocado o surgimento de toda uma série de mistificações em torno da tumba e da realidade que supostamente se ocultava no subsolo da Catedral. O edifício encheu-se de túneis e passadiços e a tumba converteu-se
numa realidade magnificada ou, ainda, numa autêntica catedral subterrânea. Uma visão que ultrapassou o âmbito popular para se converter em mais um elemento de referência no terreno das reflexões cultas. É neste contexto, já
em finais do séc. XIX, que se toma a decisão de procurar as relíquias e de, se possível, recuperar a Tumba.”

Em 1878, por iniciativa do Cardeal Payá y Rico e secundado por dois membros do Cabido Catedrático, López Ferreiro e Labín Cabello, empreenderam-se as obras de reforma no altar-mor da igreja de Santiago de Compostela com
o propósito de descobrir as relíquias do Apóstolo. O primeiro passo guiou-se pela última indicação fidedigna a respeito da tumba, que era, segundo Ambrosio de Morales (séc. XVI), a existência de um pequeno buraco que, partindo
da parte inferior do altar, comunicaria com a cripta apostólica. Este foi o primeiro dos fracassos, que se repetiram com uma lousa do deambulatório, com a janela da abside na cripta do Pórtico da Glória e com sondagens
efetuadas no cruzeiro e no presbitério, respectivamente. Estas intervenções foram infrutíferas no seu objetivo de encontrar as relíquias do Santo, encontrando-se apenas sua tumba vazia. Das pesquisas efetuadas, permitiram
apenas comprovar o caráter fantasioso das premissas de partida, e, em algum caso, recuperar alguns dados sobre a antiga brasílica construída por Afonso III.
Passou-se antão a prestar atenção às tradições populares
que afirmavam que o Apóstolo e seus discípulos estavam enterrados atrás do altar, essas informações referiam-se a uma ocultação dos restos do Apóstolo e de seus discípulos motivadas pelas incursões de Drake. Uma urna sepulcral
pintada na abobada e o costume do Cabildo de terminar a reza cantando a antífona “Corpora Sanctorum” enquanto passava pelo local em procissão, a confirmavam.
Na noite de 28 para 29 de janeiro de 1879, após perfurarem
uma abóbada, os trabalhadores encontraram uma tosca caixa de pedra em cujo interior se achava uma urna ossuária contendo desordenadamente um conjunto de restos de esqueletos humanos quase completos de três pessoas. O segundo
passo foi à realização de uma analise que permitisse verificar se os restos encontrados pudessem corresponder aos que deviam ter sido encontrados na tumba vazia.
Com uma louvável mentalidade cientifica, foi instituída
uma comissão universitária composta de três professores da Universidade de Compostela, o trabalho de analisarem as relíquias encontradas. A Comissão era composta pelo Doutor Antonio Casares, catedrático de Química da Faculdade
de Farmácia (reitor da Universidade); pelo Doutor Freire Barreiro, catedrático de Medicina e pelo Doutor Sánchez Freire, catedrático de Cirurgia, ambos da Faculdade de Medicina. Esta comissão após ter analisado as relíquias
encontradas, elaborou uma comunicação em que se confirmava que os restos ósseos encontrados, apesar da sua fragmentação e deterioração, evidenciavam antiguidade e permitiam discriminar a presença original dos esqueletos
de três corpos e, talvez, algum resto residual de outros. O fato de os corpos corresponderem a três homens levou a interpretar isso como possível expressão da presença dos corpos do Apóstolo e de seus dois discípulos.

Um longo processo de reconhecimento e investigações, que durou desde 16 de junho de 1879 até 12 de março de 1883, concluiu com o decreto Arcebispal declarando que os restos encontrados pertenciam ao Apóstolo e seus
discípulos. Dos estudos precedidos, verificou-se que as relíquias pertenciam a três diferentes corpos e se identificou que um deles correspondia ao do Apostolo, pois faltava a “apófisis mastoidea” que havia sido presenteada
pelo Arcebispo Gelmírez, no século XI, para a Catedral de Pistoia.
Este processo foi remetido a Roma solicitando a confirmação do Papa. León XIII encarregou o assunto a Congregação de Ritos. Esta, após examinar
o processo, em reunião do dia 20 de maio de 1884, decidiu requerer maiores informações para o perfeito esclarecimento de algumas dificuldades. Para tal fim dispôs-se que se trasladasse para Compostela o Promotor da
Fé, Mons. Agustín Caprara. Este fez examinar a relíquia de Pistoia, estudou pessoalmente os achados de Compostela, verificou que esta parte do esqueleto faltava em um dos três achados em Compostela, pediu novas declarações
a testemunhos e peritos, retornando a Roma um mês depois, após passar novamente por Pistoia para efetuar um novo reconhecimento da relíquia.
No dia 19 de julho de 1884, a Congregação emitiu um decreto aprovado
pelo Papa declarando que as relíquias achadas em Compostela pertenciam ao Apóstolo Santiago “o maior” e a dos seus dois discípulos. Meses depois, em 1º de novembro de 1884 segundos uns ou 2 para outros, o Papa León
XIII, sanciona os quatro anos de trabalhos científicos respaldando com a Carta Apostólica (bula) “Deus Ominipotens” em que, pela primeira vez, confirma “Urbi et Orbi” a veracidade da lenda, reconhecendo que os
restos mortais do Apóstolo havia sido reencontrado e recomendando que se empreendessem as peregrinações a este sepulcro.
Para assinalar o local onde estavam escondido os restos do Santo, foi colocada uma grande
estrela no chão diante da Porta Santa. Nessa ocasião, fabricou-se uma urna de prata, que guarda atualmente os preciosos restos na cripta debaixo do altar. A atual urna foi elaborada em 1886 por D. Angel Bar, segundo
um desenho de José Losada, guiado e inspirado pelo ilustre arqueólogo D. António López Ferreiro, que indicou como modelo alguns dos elementos arquitetônicos da fachada das Praças Platerías e do Pórtico da Glória. Dentro
desta urna se acha uma caixa de madeira de cedro, forrada de veludo carmesim, com cantoneiras, cintas e braçadeiras em prata. No interior desta caixa há seis divisões, contendo outros tantos vasos de cristal, onde,
envoltos em finos panos, se guardam as relíquias do Apóstolo Santiago.
No ano de 1891 se abria para veneração dos fieis a nova Cripta da Catedral destinada a servir de lugar de culto aos restos mortais do Apóstolo
e seus discípulos, feito que fez ressurgir as peregrinações paulatinamente até chegar aos nossos dias.
No próximo artigo abordaremos como aconteceu o lento retorno das peregrinações até os nossos dias.