A Reconstrução da Cidade
Compostela estava arrasada, suas Igrejas destruídas, sua população foragida e parte dela aprisionada como escravos para carregar o botim, os peregrinos desapareceram, mas a urna contendo os restos mortais do Apóstolo foi salva
graças à fé do bispo de San Pedro de Mezonzo, seria necessário efetuar a reconstrução da Cidade e de seus templos.
Nesse artigo iremos ver como a mesma procedeu para voltar ao que era antes da devastação sofrida, bem
como da política adotada por Diogo Gelmírez.
Foi o próprio Bermudo II que logo após a destruição da cidade e da Igreja, iniciou a sua reconstrução sob a orientação do bispo Pedro de Mezonzo, inclusive construindo um
oratório dedicado a San Martin.
Estes ressurgimentos eram seguidos de momentos de declínio com o empobrecimento do culto, que foram se repetindo uma vez atrás das outras até que chegam os episcopados de Crescenio (1068)
e de Gudesteo (1069). Posteriormente a Igreja de Santiago veio a dar um grande impulso ao culto Jacobeo com a chegada do bispo Diogo Pelãez, que planejou a construção da basílica Jacobeia. A partir desse momento passaram a
suceder prelados que se dedicaram mais e mais ao engrandecimento de Santiago e do seu culto. Com Pedro monge de Cardeña, passamos a ver aparecer os primeiros efeitos da reforma eclesiástica, motivo pelo qual Roma começa a tomar
iniciativas face ao rei que pouco a pouco deixa de ser quem rege a Igreja do seu reino e o monge cluniense Dalmacio elevado ao episcopado de Compostela em 1093, com o qual se fixa à presença de Roma na Igreja Compostelana,
depois de que a bula de Urbano II de 1095, a troco do reconhecimento oficial da transladação da sede de Iria Flávia, obriga Dalmacio e seus sucessores a guardar os decretos da Igreja de Roma.

No reinado de Afonso VI, rei de Leão e Castela (1065-1109), iniciou-se a construção da nova Catedral. No ano de 1075, o Bispo Diego Pelãez começa as obras da Catedral que continuariam sob a eficiente administração do Bispo
Diego Gelmírez, figura chave no desenvolvimento da cidade de Compostela.
É precisamente por isto que convém destacar que o culto ao Apóstolo vem a alcançar o seu máximo esplendor devido aos cuidados de Gelmíres,
bispo (1100-1120), depois arcebispo de Compostela (1120-1140). Ele teve o cuidado de garantir um culto faustoso mediante 72 canónigos que se instituem, segundo o número dos discípulos de Cristo, restaurou o altar dedicado
a Santiago e estabeleceu atrás dele um lugar onde os devotos pudessem orar, livres das distrações da multidão, bem como criou serviços de proteção aos peregrinos, além de efetuar remodelação nos hospitais. Do mesmo modo
que, em Roma foi ordenado cardeais que garantiram não somente o culto contínuo do Apóstolo, mas que velaram também pela sua pureza. Para todos estes serviços obteve as pertinentes autorizações pontífices.
Durante
muito tempo o culto a Santiago surgiu e consolidou-se em Compostela graças ao trabalho dos bispos e do clero, sem a intervenção romana. Roma começa a mostrar-se interessada no tempo da reforma, quando se luta por assentar
a primazia romana sobre as igrejas ocidentais. Assim, talvez movido pela repercussão que tinha no Ocidente inteiro a peregrinação a Compostela, descobre-se em Roma tentativas palmares ou subconscientes, de que a sede Compostelana
queria apresentar-se e garantir uma posição proeminente como igreja depositária de um Apóstolo tão significativo como Santiago, inclusive se chegou a temer que os bispos compostelanos tentassem constituir um novo centro
que chegasse a fazer concorrência a Roma.
Cumprindo com o propósito do poderoso Monastério de Cluny, o poder adquirido pelo arcebispo Gelmírez o impulsionou a intentar a constituição de um reino tutelado pela Igreja
com o que pretendia auxiliar o futuro rei Afonso VII de León, que ele mesmo entronizou em Compostela em 1111, convertendo assim em “definitivo” a separação da Galícia e originando um importante fator político para a independência
de Portucale.

As relações de Santiago com Roma, desde os últimos decênios do séc. XI em diante, estão marcadas por receios e reservas perante o grande santuário Jacobeo. Roma reage concedendo com parcimônia algumas honras solicitadas
por Santiago e negando outras. As que concediam, foram conseguidos com insistência e múltiplos tributos, impunham em qualquer caso uma submissão total e completa e irrestrita a Roma, para evitar uma posição ciumeira excessiva
de Compostela, inclusive outorgando-lhe mais “ad personam” do que a sede. Tudo isso com bastante discrição e com pouco entusiasmo. Devemos ter em conta que muitas destas concessões redundaram em maior faustuosidade do culto
jacobeo.
Nada contribuiu mais ao boato e esplendor do culto que a possessão de inúmeros bens, rapidamente alcançados graças à generosidade dos reis de Leão e de membros das famílias reais. As doações cresceram sem
cessar e tenderam a constituir uma rica e poderosa terra de Santiago, como posteriormente a controlar em benefício compostelanos, numerosos pontos do caminho de Santiago.
As abundantes doações reais, complementadas
por sucessivas e generosas confirmações num clima devocional, favoreciam as doações privadas, criando-se assim um notável patrimônio da Igreja compostelana. Ao mesmo tempo em que os reis sublinhavam, outras vezes solicitavam
com as suas doações à proteção especial de Santiago, não só sobre os monarcas nas suas lutas contra o Islam e os seus inimigos internos, mas também se começava a considerar pouco a pouco o Apóstolo como o verdadeiro protetor
da Espanha. Neste ponto devemos recordar o papel exercido por Afonso II, quando oferece à Igreja compostelana a grande cruz, hoje desaparecida, que vem a ser o lábaro da monarquia asturiana. O próprio rei se torna protetor
do culto jacobeu com a sua célebre carta à Igreja de Tours, em que defende e enaltece o sepulcro apostólico; e pouco importa para estes efeitos que a carta não seja genuína em todos os seus pormenores.
Foi no reinado
de Afonso VI que viveu Rodrigo Diaz de Vivar, chamado pelos muçulmanos de “Mio Cid”, figura central do grande poema épico que leva o seu nome e também chamado o Campeador (Campidoctor). Rodrigo Diaz acompanhou o rei em
várias campanhas contra os mouros e uma de suas vitórias mais celebradas foi a da tomada de Valência em 1094.
No ano de 1112 o então bispo de Compostela Diego Gelmirez, teve necessidade de derrubar o templo construído
por Afonso III e San Pedro de Mezonzo para por no serviço da nova catedral em construção, um altar dedicado ao Apóstolo e o prebistério da mesma. Não havia nenhuma inconveniência, como é lógico, para derrubar a nave, porem
aí surgiu a polemica ao se pretender derrubar também o velho oratório que servia de abside. Os canónigos e muitos outros se opuseram por considerar que aquela abside era sagrada e havia sido edificado pelos discípulos do
Apóstolo.
Na peleja oral impôs-se o Bispo, derrubando o oratório superior, após um reconhecimento das relíquias e da extração da “apófises mastóides direita” para presentear a San Atón, o bispo de Pistoia, deixando
a câmara sepulcral inacessível salvo por um pequeno agulheiro na parte superior que permitia unicamente tocar objetos da tumba, atados com um cordel. Sobre ela construiu-se o altar da basílica que ficou assim sobre o sepulcro
apostólico. Construiu-se também um oratório e o confessionário naquela oportunidade.
A construção só termina por volta do ano de 1211, já no reinado de Afonso VIII, rei de Castela (1158-1214). Por todos esses séculos
a Catedral de Santiago de Compostela passou por uma série de ampliações arquitetônicas.
Em séculos sucessivos se realizaram novas obras até a conclusão de sua fachada barroca por volta do século XVIII, que começou
em 1715 por Antonio Mouroy. Nela podemos admirar sua proverbial Pórtico da Gloria, realizado pelo Mestre Mateo no ano de 1188.
Não poderíamos aqui deixar de tecer algumas considerações a respeito do poderoso arcebispo
de Compostela Diego Gelmírez, quem foi Diego Gelmírez e o que o mesmo fez de tão importante para que fosse considerado um poderoso arcebispo!
DIEGO GELMÍREZ
Após a morte do bispo Dalmacio em 1096, Diego Gelmírez
passou a ser o novo senhor de Compostela. Nascido nos últimos anos da década de 1060, seu pai Gelmírez, foi um nobre oficial ao serviço da Igreja Iria-Santiago, encarregado da defesa das Torres de Oeste. O jovem Diego se
educou na cidade compostelana sob a proteção do bispo Diego Peláez e se bem que o traiu na sua concepção espiritual, na organizativa e material do episcopado seguiu fielmente suas pegadas. O que o diferenciou foi que enquanto
Peláez foi essencialmente um pastor espiritual, Gelmírez se destacou como um político onde os fins justificam a utilização de qualquer meio.
Sua carreira pública começou ao ser nomeado conselheiro dos condes da Galícia,
Raimundo de Borgonha e Urraca, filha de Afonso VI. Sua primeira relação com Santiago foi como administrador civil e econômico da sede episcopal. Deposto Diego Peláez e com trinta anos, idade canônica necessária para sê-lo,
foi consagrado bispo em 1101, graças, entre outras coisas ao defender o novo modelo de prelatura propugnado pelo papado e estar mais bem relacionado com a Coroa que o seu predecessor.

Por volta de 1102, D. Henrique de Borgonha, conde de Portugal doa a cidade de Braga aos arcebispos. Com a elevação do bispado bracarense a arcebispado, a cidade readquire uma enorme importância a nível Ibérico. O arcebispo
Diego Gelmírez de Santiago de Compostela, com medo da ascensão de Braga, organiza o roubo das relíquias dos santos mais venerados em Braga (S. Silvestre, Santa Suzana, S. Cucufate e S. Frutuoso de Montélios), com o fim
de eliminar esta cidade como centro de peregrinação que o bispo Pedro aí pretendera criar, e transferiu para Compostela a supremacia eclesiástica sobre a antiga província da Galícia. As relíquias só retornaram a Braga na
década de noventa (1966) do séc. XX.
Com nova autoridade eclesiástica e com a interrupção das obras da grandiosa Catedral, constituiu um cabildo composto por 72 canónigos e excluiu os monges de Antealtares do culto
catedralício, após devolver-lhes o altar do templo de Santiago. Graças ao papa Calixto II, conseguiu o uso do Palio em 1015 e, para Compostela, pela bula “Omnipotentis dispositione” de 26 de fevereiro de 1120, a transferência
dos direitos metropolitano de Mérida, ainda em poder dos muçulmanos, sendo promovido ao episcopado em 1120.
Em contato com a poderosa Ordem de Cluny, adotou seu modelo espiritual e cultural nas relações internacionais,
indispondo-se com o arcebispo Bernardo de Toledo, que representava interesses semelhantes em favor de sua sede.
Gelmírez intentou implantar a segunda fase da reforma eclesiástica. A primeira encarnada por Gregório
VII, San Pedro Damián e Diego Peláez, buscava a renovação espiritual do clero secular e sua liberação das ataduras do poder civil; a segunda logrou este objetivo, buscava restabelecer a primazia da Igreja na sociedade.
Como reação, o rei Afonso VII, filho de Urraca e coroado quando ainda menino, rei da Galicia por Gelmírez na Catedral de Santiago em 1111, antes de indispor-se com ele, passou a estabelecer uma série de monastérios cistercienses
para frear a pujança do episcopado Galego.
Esta instrumentalização de Gelmírez em seu intento para criar um reino tutelado pela Igreja, fez Afonso VII, ao crescer, o relegar, apoiando-se na nobreza e na burguesia
para solapar seu poder, o que motivou um incêndio na Fachada das Pratarias em 1117, durante um ataque dos burgueses contra Diego Gelmírez.
Apesar de seus ingentes trabalhos na construção da Catedral compostelana,
sua trajetória política acabou sendo um desastre, morrendo em um sábado a 6 de abril de 1140, sem que se saiba onde está enterrado.
No próximo artigo abordaremos como se procedeu ao desenvolvimento das Peregrinações
ao túmulo do Apóstolo Santiago.