Pequena História de Santiago

por Walter Jorge

A Desamortização


No desenvolvimento desse trabalho e para um melhor entendimento, torna-se necessário explicar de uma maneira mais detalhada o sentido da palavra “DESAMORTIZAÇÃO” ou seja “DESAMORTIZACIÓN” em castelhano, a qual veio afetar de uma maneira bastante drástica, todo um acervo existente da Espanha, nele estando incluído os existentes ao longo do Caminho de Santiago.

O que foi a Lei da Desamortização?

A desamortização procedeu-se no território espanhol a partir do ano de 1766. Toda desamortização é uma intenção adotada para sanear a Fazenda (o erário público). Para que haja um Estado forte deve haver uma Fazenda saneada, e para que haja uma Fazenda saneada é necessário que os contribuintes possam pagar de uma maneira justa os seus impostos. Esse é o principio liberal de que a soma das riquezas particulares é a riqueza de toda uma nação.

Medidas foram tomadas no sentido de aumentar a riqueza da nação por meio da incrementação do comercio e das industrias. No entanto essas medidas falharam por não haver consumidores possíveis; a imensa maioria de tais consumidores seriam os lavradores que estavam submetidos a uma economia de subsistência. A terra é, pois, o fator desencadeante. Os lavradores não podiam contribuir para a Fazenda com essa economia de subsistência em que viviam, pois estavam amarrados a uma dupla fiscalização: a que impunha a Igreja por um lado e a que impunha os senhores feudais ou o Estado pelo outro lado.

Para que pudessem entrar na economia nacional e contribuírem, os lavradores deveriam converter-se em empresários; em conseqüência, o Estado deveria, em primeiro lugar, quitar os obstáculos de todo o tipo com que contam para ele e em segundo lugar, convertê-los em propriet��rios de suas próprias terras.

No século XVIII, uma enorme percentagem de terras da Espanha era um bem improdutivo, ou um bem de baixo rendimento; pastos, reservas de caças, terras abandonadas, etc... Em 1766 abre-se um expediente para tentar obter dados que permitam elaborar uma Lei Agrária. O resultado de logo se evidencia na necessidade de trocar a propriedade das terras que então estavam em poder das chamadas “mãos mortas”. Estas eram terras em poder de uma série de instituições (senhorios feudais, Igrejas, Prefeituras e o próprio Estado) que não podiam vender as terras por estarem vinculadas a elas. Estas terras não eram cultivadas, não pagavam impostos de nenhum tipo e por outro lado não geravam nenhuma riqueza. A solução era evidente: era necessário que o Estado se apropriasse destas terras e pusessem a venda livre, através do leilão pela melhor oferta.

A desamortização praticada na Espanha foi um processo político e econômico de longa duração (1766-1924), no qual ação do estado converteu em bens nacionais as propriedades e direitos que até então haviam constituído o patrimônio amortizado (retirado do mercado livre) de diversas entidades civis e eclesiásticas, bens não produtivos em poder das chamadas “mãos mortas” quase sempre da Igreja Católica ou ordens religiosas, que as acumularam como habituais beneficiárias de doações, testamentos, para aliená-los imediatamente em favor de cidadãos individuais. Ademais, o erário obtinha dessa maneira o ingresso extraordinário de moeda que, com as quais, pretendia amortizar os títulos da divida pública.

As medidas estatais afetaram as propriedades em cheio (propriedades rústicas e urbanas), os direitos censales (rendas de variadas origens e natureza), e o patrimônio artístico e cultural (edifícios conventuais, arquivos e bibliotecas, pinturas e ornamentos) das instituições afetadas.

Juan Álvarez Mendizábal


A desamortização pretendia a formação de uma propriedade coerente com o sistema liberal, é dizer, a instauração da propriedade livre, plena e individual que permitiria maximizar os rendimentos e o desenvolvimento do capitalismo no campo. A entrada dessa massa de bens no mercado se efetuou, em geral, através dois procedimentos: o leilão ou a melhor oferta como formula preferente nos casos de propriedades plenas e a redenção por censatario quando se tratava de direitos.

Uma primeira etapa (1766-1808) foi realizada nos reinados de Carlos III e Carlos IV por Godoy e o ministro Cayetano Soler, compreendia a venda de terras de propriedade do Estado (parte delas obtidas com o confisco dos bens dos jesuítas – Companhia de Jesus - que haviam sido expulsados da Espanha), é a denominada desamortização de Manuel Godoy, bem como (bens pertencentes a hospitais, hospícios, casas de misericórdia, confrarias e de Colégios Maiores universitários).

A segunda etapa (1808-1820) corresponde a desamortização imposta durante a guerra da Independência, por um lado pela administração de José Bonaparte e por outro lado pelos legisladores reunidos em Cádiz (bens da Inquisição e redução a um terço do número de monastérios e conventos).

Na terceira etapa (1820-1854) conhecida como desamortização de Juan Álvarez Mendizábal, ministro de Isabel II em 1836. Mendizábal expôs a rainha seu programa durante os dias 15 e 28 de setembro. Seu programa político incluía o apoio das Cortes ao novo gabinete, a reforma do Clero Regular “Desamortização Eclesiástica”, a finalização imediata da guerra contra o carlismo e a eliminação da Divida Pública. Dessa maneira se procede ao sistemático despojo patrimonial da Igreja, e a supressão de monastérios e conventos, no qual o Estado se comprometia a proteger o clero mediante subvenções e o pagamento de salários.

Teve conseqüências muito importantes para a história social da Espanha, porque os seus resultados (não questionados por Mendizábal que deixou o cargo de ministro em maio de 1836), foram relativamente pobres. Com a divisão das terras em lotes entregando-os a comissões municipais, estas aproveitando-se do seu poder, passaram a efetuar manipulações e configurar grandes lotes inacessíveis aos pequenos proprietários, no intuito de satisfazer as oligarquias mais endieiradas que podiam comprar tanto os grandes lotes como os pequenos. Em 1845 durante a década moderada, o governo intenta restabelecer as relações com a Igreja, o que leva a firmar um Concordato em 1851.

Baldomero Espartero


A quarta etapa (1855-1924) durante o segundo governo do progressista Baldomero Espartero, o seu ministro de Fazenda Pascual Madoz realiza uma nova desamortização (1859) que foi efetuada com maior controle que a de Mendizábal. Inaugura-se com a Lei Geral de primeiro de maio de 1855 ou Lei Pascual Madoz, publica-se na “Gaceta de Madrid” em 31 de maio com as Instruções para a sua implantação. Declara-se à venda de todas as propriedades do Estado, do Clero, das Ordens Militares, confrarias, obras pias, santuários do ex infante D. Carlos, da beneficência e da instrução pública, com algumas exceções, e é por duração e volume de vendas, a mais importante. Completa-se com a alienação dos bens regulares e seculares.

Joaquín Baldomero Fernández Espartedo Alvarez de Toro, foi um militar e político espanhol, era conde de Luchana, duque de Victoria, duque de Morella, visconde de Banderas e príncipe de Vergara. Convencido de que seu destino era governar os espanhóis, foi por duas vezes Presidente do Conselho de Ministros e chegou a chefiar o Estado como Regente durante a menor-idade de Isabel II. Foi o único militar espanhol a ser tratado por Alteza Real e apesar de todas as suas contradições, soube passar despercebidos seus últimos 28 anos. Recusou a Coroa Espanhola e foi tratado como uma lenda desde a sua juventude. Nasceu no dia 27 de fevereiro de 1793 na Cidade Real de Gránátula de Calatrava, Espanha e veio a falecer em 8 de janeiro de 1879 em Logroño.

A privatização das propriedades rústicas afetou a uma extensão equivalente a 25% do território espanhol. O encargo financeiro foi coberto satisfatoriamente, a julgar pelas quantidades que tendo recebido em títulos e em dinheiro pela venda dos bens desamortizados (14.435 milhões de reais). A origem social dos compradores, restringida inicialmente aos círculos mais abastados, se diversificou à medida que se cumpriam as etapas do processo. Em conjunto, não obstante, foram os membros da burguesia (comerciantes, homens de negócios, profissionais liberais e fazendeiros ricos) que capitalizaram as propriedades mais caras e de maior extensão originando-se novos latifúndios e a concentração na propriedade de terras. Ao contrário, tanto o fazendeiro pobre como o colono, dispuseram de menores possibilidades de acesso a propriedade.

Com a desamortização produziu-se um aumento da superfície cultivada e da produtividade agrícola, havendo uma grande melhoria na especialização dos cultivos, graças a novas inversões de capitais pelos proprietários. Em Andaluzia, por exemplo, se estenderam consideravelmente os cultivos da videira e da oliveira.

A desamortização de propriedades urbanas (casas, edifícios convencionais) contribuiu para a transformação do modelo de cidade do séc. XIX: da cidade convencional, marcada pelo predomínio do casario amortizado e o tom hegemônico dos edifícios religiosos, a cidade burguesa, caracterizou-se pelo desaparecimento do velho casario, seu crescimento em altura, a abertura de novas vias, o alargamento das existentes e a presença dos edifícios públicos.

A legislação prévia para os edifícios conventual, destinos tão diversos como a conservação para uso paroquial ou público (conversão em museus, quartéis, hospitais), a demolição para a abertura de novas ruas ou o alargamento das existentes, ou sua mera inclusão entre os bens nacionais sujeitos a privatização. O patrimônio móvel correu da mesma forma: foi reservado como parte da memória histórica nacional (criação de museus).

Como resultado das desamortizações, muitos conventos e igrejas de valores artísticos foram abandonados ou demolidos para aproveitamento do seu material, hoje s�� encontramos ruínas; igualmente muitos livros, bibliotecas conventuais e quadros dispersaram-se, muitos foram vendidos a baixo preço e acabaram em outros países e outros foram para as bibliotecas públicas existentes na época, podemos inclusive afirmar que houve com a desamortização uma dilapidação de parte do patrimônio histórico da Espanha, a qual afetou a maioria das relíquias e monumentos que existiam ao longo do Caminho de Santiago, motivo da dificuldade que os historiadores e escritores encontram no levantamento dos dados históricos dos mesmos.

No próximo artigo abordaremos como o Apóstolo foi reencontrado após quase 300 anos da ocultação dos seus restos mortais por volta de 1588. O motivo foi evitar que os mesmos caíssem nas mãos dos piratas ingleses comandados por Francis Drake.

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