A Decadência do Caminho
As peregrinações ao túmulo do Apóstolo Santiago que nos séc. XI, XII e XIII estavam no auge, começou a declinar, nas estradas não mais existia aquele grande número de peregrinos a disputarem um local para pernoitarem nos albergues,
aquele filão de rendas começava a reduzir e com isso veio “A Decadência do Caminho”.
Vejamos o que estava acontecendo.
Com o correr dos anos os caminhos deixaram de ser seguros e os ricos Monastérios apenas tinham
o dinheiro suficiente para atenderem os pobres que habitam em seus arredores. As idéias também se modificam e os prazeres materiais substituíram os espirituais e a religiosidade que imperava na Idade Média diminuiu.
Terminada
a Idade Média, a Igreja continua a ceder terreno à classe burguesa.

No ano de 1492, os muçulmanos são finalmente derrotados em Granada pelos reis Católicos, a tarefa da expulsão dos “infiéis” estava cumprida, a Europa estava salva das ameaças islâmicas, o culto dedicado ao Apóstolo Santiago
começou a cair no esquecimento . Foi em pleno século XIV que começou um profundo declínio das peregrinações provocado tanto pelas catástrofes que assolaram a região (sobretudo a peste negra) como também pelas
inúmeras guerras nas que se viu envolvido o continente. Essa decadência acentuou-se no século XVI com o aparecimento do protestantismo e das guerras religiosas. Era o século dos grandes descobrimentos, os exploradores portugueses
e espanhóis viajavam por todo o mundo, descobrindo novos oceanos e novas terras. Com os mesmos não só iam os colonos, mas também comerciantes holandeses e corsários ingleses, esses saqueavam não apenas as terras recém descobertas
no Novo Mundo, mas também as costas da Europa.
Essas foram as principais causas, assim como a ocultação dos restos mortais do Apóstolo por ordem do Arcebispo San Clemente em 1588, para evitar que caísse nas mãos
dos piratas ingleses comandados por Francis Drake. O mesmo de acordo com o Cabido, escondeu as sagradas relíquias no fundo da abside, uns três metros da tumba, dentro da Igreja, sigilosamente, e tão bem o fez que o mesmo
esteve perdido durante quase 300 anos, bem como se distribuiu os ricos tesouros da Basílica entre as famílias cristãs de confiança.
Apesar disto, a pequena capela original foi sendo sucessivamente aumentada durante
os séculos XVI, XVII a XVIII, com acréscimos que demonstravam o poderio da Igreja. Da capela passou a templo Românico, depois Barroco e Neoclássico e aumentou consideravelmente de tamanho. Este processo culminou no século
XIX com praticamente o desaparecimento das peregrinações.
Notícias escritas existem sobre o referido ocultamento, existia como que uma continua exigência de se supor que, em determinado momento, os restos mortais
do Apóstolo e seus discípulos foram retirados das suas câmaras sepulcral e escondidas em um outro local. A hipótese universalmente aceita é atribuída à comoção existente na Galícia pelos os ataques das costas galegas pelo
pirata inglês posteriormente agraciado como General, Sir Francis Drake. Este nunca ocultou seu propósito de atacar Compostela, devido achar ser ali, “último empório de la superstición papista”. Era, em verdade, uma das
muitas manifestações do protestantismo e da Igreja Anglicana, separada por Henrique VIII, contra a Igreja de Roma.
Sir Francis Drake, era o terror dos espanhóis, quando Felipe II enviou a Invencível Armada contra
a Inglaterra (1588), como vice-almirante, foi um dos responsáveis pela destruição da frota espanhola. Na condição de herói da marinha britânica, em 1589 sitiou a cidade de La Coruña à frente de 14.000 homens e em seguida
Lisboa, sendo derrotado em ambos empreendimentos. Segue para a sua última viagem de saque às Índias Orientais, mas a tripulação foi dizimada por uma febre, inclusive ele próprio, seu corpo foi sepultado por volta de 1596
nas águas do mar, nas costas panamenhas, a altura de Puerto Bello, posteriormente Portobelo, Panamá, e assim encerrou-se a carreira de mais um guerreiro que tentou desafiar o nosso Santiago.
O medo produzido por
este assalto levou a evacuar outras relíquias guardadas na Basílica de Orense, bem como os documentos existentes da Torre de Camba. Nada se fala, no entanto das relíquias apostólicas. Porém não deixam margem de duvidas
de que também tivessem escondidos estas relíquias. Passados este perigo não houve muita pressa em devolver as relíquias e os restos sagrados aos seus lugares, considerando ainda, que, se achavam mais seguros, que ficassem
ao menos uma parte no El Escorial devido à vontade dos reis.
Em artigo anterior, falamos sobre o direito da Igreja de Santiago de receber um censo anual pago por todos os clérigos e camponeses situados ao norte da
península Ibérica. O volume das rendas chegou a situar-se em mais de quatro milhões de reais nos finais do século XVIII para acabar sendo suprimido definitivamente em 1834 sem que nada substituísse esse grande volume de
receita. O resto da receita e os dízimos da Junta procediam de suas propriedades rurais e urbanas, as quais também vieram perder no século XIX com a Desamortização sobre a qual falaremos oportunamente.
O escritor
Cervantes (1547-1616), no seu “Don Quixote de la Mancha”, diz que “Santiago Matamouros é um dos mais valorosos santos e cavaleiros que o Mundo alguma vez teve; foi dado a Espanha por Deus, como seu patrono e para a sua
proteção”.
A cidade ganha nos séc. XVIII a XIX a sua fisionomia atual, marcada por uma coerência única entre os seus edifícios e o pavimento das ruas. Mas, a nível social, as mudanças foram muito lentas, permanecendo
intocada a proeminência da Igreja, secundada pela alta aristocracia galega. Santiago continuou a ser, essencialmente, uma cidade de rendas, mais do que uma cidade comercial. No séc. XIX despontou alguma indústria (lenços,
peles, chapéus).
A universidade, já existente desde 1501 era também intimamente ligada à Igreja, teve nestes tempos um papel secundário na vida da cidade. Foi somente com o Iluminismo, no séc. XVIII, bem como devido
as peregrinações que já estavam em franco declínio, foi que veio a ter alguma importância devido à criação de cursos científicos. Foi um desenvolvimento de pouca duração, já que as invasões francesas fizessem com que a
cidade voltasse a cair no esquecimento total, arrastando consigo a universidade, que ficou, entretanto, resumida às faculdades de direito e a de teologia.

A partir do século XIX, a cidade de Santiago de Compostela foi perdendo poder devido às novas reformas administrativas a qual eliminou a província de Santiago, transladando a capital para a nova cidade “La Coruna”.
Com a supressão do Voto, com a aplicação da lei de “Desamortização” e com a normativa da Concordata de 1851 que reduziu o clero da Catedral bem como da sua Junta, culminou com praticamente o desaparecimento das peregrinações.
Comenta as crônicas da época, que no dia 25 de julho de 1867, havia apenas quarenta peregrinos na cidade de Compostela.
Santiago de Compostela transforma-se numa sombra dela própria. Não tem industrias nem comercio,
foi preterida na escolha da capital da província que foi para La Coruna, tem poucos estudantes e não tem peregrinos, a sua razão de ser.
Alguns perguntam se realmente está ali o resto mortal do Apóstolo e chegam
a afirmar que aqueles são os restos mortais do herege Prisciliano, bispo de Ávila e galego de nascimento. Viveu no século IV que deve ser a época das primeiras comunidades cristãs na Galícia. Esse asceta rigoroso, junto
com outros sacerdotes e monges, exigiam da igreja o retorno à Bíblia.
Prisciliano de Ávila foi o mais importante dos divulgadores do cristianismo hispânico primitivo, no final do séc. IV. Prisciliano mantinha-se
afastado da Igreja de Roma e empreendia um movimento amplo, divulgando a fé de Jesus, que criou raízes e fez a sua sede na Galícia, cuja capital era Brácara (atual Braga, no território Português). Lentamente o movimento
de Prisciliano foi dirigindo-se para a Galia e tornou-se a forma do cristianismo utilizado na Aquitânia. Prisciliano continuava com todos os conhecimentos necessários para alimentar a sua fé, bem diferente dos preceitos
de Roma.
Foi muito mal visto por parte de alguns bispos hispânicos do seu tempo que não estavam alinhados com a sua ideologia, os mesmos conseguiram levá-lo a juízo acusando-o falsamente de gnose, de luxuria
e dado às mulheres, por um Sínodo em Bordeaux, na França. Prisciliano e seis outros foram degolados em Trier em 385 d.C. e a este, muitos martírios se seguiram. Sete de seus escritos refutando estas acusações foram
recentemente descobertos na biblioteca da Universidade de Wurzburgo na Alemanha. Alguns informam que os seus discípulos trouxeram o seu corpo para a sua terra natal, onde o enterraram em segredo.
Na realidade,
“pouco importa que o sepulcro compostelano seja ou não o sepulcro do Apóstolo. Se ali jazesse de verdade os restos de Santiago e a Cristandade o ignorasse, a fecundidade histórica de tal relíquia seria nula. Acreditam
os peninsulares, acredita a Cristandade, e o vento da fé empurrou as velas do Ocidente e o autêntico milagre produziu-se” (Sánchez Albornoz “Espeña, un enigma histórico”).
Essa fé moveu multidões, dinamizou a
cultura Ocidental, criou instituições, favoreceu o crescimento urbano do século XIII, possibilitou o intercâmbio de técnicas e de idéias do que realmente a Europa necessitava. Em 1630, o Papa Urbano VII consagrou a
Santiago como único Patrono da Espanha, pois, naquela época, em pleno século XVII, Santa Tereza disputava com o Apóstolo o Patronato da Espanha. A famosa imagem de Santa Tereza de Ávila encontra-se atualmente no Tesouro
da Catedral de Compostela.
Não podemos aqui deixar de lembrar o progresso trazido pelos Muçulmanos durante o seu longo domínio na península Ibérica, pois era um povo muito mais culto do que os povos cristãos
existente, trazendo inúmeros conhecimentos tais como:
- As suas técnicas de irrigação: nora, picota, açude;
- Novas culturas como: laranjeiras, limoeiros, amendoeiras;
- Na arte: azulejos, tapeçaria;
-
Conhecimentos científicos: na área da matemática, geografia, astronomia, medicina;
- Construíram importantes bibliotecas como a de Toledo e a de Córdoba;
- Introduziram a numeração em algarismo com a colocação
do 0 (zero);
- Várias palavras árabes foram introduzidas como: azeite, laranja, Algarve, algarismo, almocreve, almofada, alqueire e outras.
Escrevemos que um dos pontos da decadência do caminho foi a “Desamortização”,
no próximo artigo abordaremos o que foi a mesmas e quais os seus efeitos.