A Preparação
Na entrada do refúgio de peregrinos em Grañon, estava uma caixa escandalosamente aberta deixando antever
várias moedas e um nota de mil pesetas (atualmente acreditamos existir euros na mesma). Sobre a tampa em um pedaço de papel alguém escrevera em uma perfeita caligrafia: "Peregrino, deja lo que puedas; toma lo que necessites".
Através
dessa frase simples e bastante sensível, o escritor anônimo acabava de descrever a profunda diferença que existe entre o Caminho de Santiago de Compostela, de qualquer outro existente no mundo. A hospitalidade e a tradição
depositada por milhares de peregrinos através dos séculos, têm feito deste Caminho uma experiência única no mundo.
O Caminho está lá e pertence a quem caminha. Qualquer um pode afivelar a mochila e botar o pé na estrada.
Se seu sentido de caminhar é espiritual, você poderá achar uma maneira que o coloque nos trilhos, que o ajuda a buscar. É preciso disciplina e dedicação e os benefícios só aparecem com a prática constante, como na ginástica.
O
primeiro passo na busca é esvaziar-se. Caso você esteja buscando a comunhão com Deus é preciso deixar espaço para ele entrar. Para isso, nunca desvalorize a simplicidade. Talvez seja interessante criar um modelo. Jesus se ofereceu
generosamente como modelo, mas se você tem tendências orientais, não hesite em escolher um modelo da sua doutrina. Use-o como inspiração e lembre-se de que é fundamental esvaziar-se, acreditar que existem coisas que estão acima
de todas as explicações, acreditar que, na condição de buscador sincero e autêntico peregrino, você está se colocando à disposição de Deus, seja lá o que Deus for para você. A partir disso, crie os seus próprios métodos e os
seus exercícios, sem jamais perder de vista a intenção de comungar com Deus.
Se acreditar que as práticas que está inventando vão lhe ajudar a se aproximar com Deus, estará exercitando a sua fé e o seu poder. Esse é
o grande segredo. A vida é tudo que ela contém, por isso é o maior poder que existe. Use-o em favor da harmonia do universo ou estará nadando contra a corrente. Siga o fluxo, dance ao som da musica, deixe-se levar. Irá surpreender-se
de como as lições virão das coisas mais triviais. Jamais subestime a simplicidade. As mágicas do Caminho de Santiago estão nas pequenas coisas. Surgem como uma fonte de água no meio de Navarra, ensinam velhos segredos a quem
observa o caminhar de uma formiga ou despertam um grande poder em quem contempla com respeito e paciência um galho de uma árvore de avelã. O grande mistério é grande na sua simplicidade e é um mistério para que só os humildes
o conheçam. Quanto mais complexo ficamos, mais oculto fica nosso caminho espiritual, por isso criou-se o termo ocultismo.
Antes de mais nada é preciso ambientar-se com a rota. Ler sobre a história do Caminho e das peregrinações
é importante. Conhecer a experiência de outros peregrinos também pode ajudar bastante. Mas lembre-se: o motivo que o leva a percorrer o Caminho de Santiago é pessoal. Não existe um motivo certo ou errado, adequado ou não, existe
o seu motivo, aquele que é o verdadeiro para você. Existe os que fazem apenas pelo prazer de caminhar, outros por convicções religiosas e/ou por interesses artísticos e históricos existente ao longo do caminho e alguns para
realizar uma promessa.
Quanto melhor o peregrino se prepara para a viagem, mais perto estará do próprio motivo que o leva a realizá-la. Bem informados, nos sentimos parte da grande cadeia de peregrinos que nos precederam
e realizaram plenamente o sonho de percorrer o Caminho de Santiago de Compostela.
Algumas pessoas são de opinião que devemos efetuar o Caminho sem nenhum conhecimento sobre o mesmo, que o caminho irá ensinar como proceder
perante as circunstâncias encontradas, no entanto, acredito que os que assim pensam, deixam passar despercebido muitas coisas belas que o caminho oferece e ao chegarem de volta aos seus lares, passam a sentir a necessidade
de retornar, como o caminho é algo de muito pessoal, deixamos a escolha com o futuro peregrino.
Um guia do Caminho, com mapas e distâncias precisas é necessário e indispensável. No Brasil apesar da dificuldade de encontra-los,
já existem livrarias que vendem os mesmos. Enquanto se prepara para a viagem, entre em contato com as "Associações dos Amigos do Caminho de Santiago" existente nos Estados e informe-se sobre os mais indicados e onde encontrá-los
em nosso pais, ou consulte os existentes nas bibliotecas das "Associações".
As etapas normalmente percorridas pelos peregrinos são de 20 a 30 km por dia. Porém, no início da viagem, até que você se adapte e encontre
seu ritmo adequado, convém serem programadas etapas mais curtas. Após os primeiros dias de caminhada, você já poderá ir aumentando a distância percorrida em cada dia, pois já estará ouvindo melhor o que o seu corpo tem a lhe
dizer. Como aconselhava Madame Debrill, que era a responsável pela recepção dos peregrinos em Saint Jean Pied-de-Port há mais de trinta anos, "O peregrino caminha quanto pode e não quanto quer". Programe também alguns dias
de descanso, mas não muitos. É melhor fazer etapas mais curtas, coincidindo com os lugares que queira visitar com mais calma e descansar sem perder o ritmo.
Consulte a lista de albergues de peregrinos atualizada caso
queira utilizá-los. Essa lista está disponível nas "Associações", contendo ainda uma série de hostais e hotéis existente ao longo do Caminho. Porém informamos, os albergues são exclusivamente para os que peregrinam á pé ou
de bicicleta, sem fazer etapas de carro. Não se pode fazer reservas e o acesso só é permitido mediante a apresentação da "Credencial del Peregrino". Os grupos de peregrinos, com mais de 10 pessoas, devem procurar outros alojamentos
fora dos albergues habituais, os quais não comportam um número grande de pessoas. Tais grupos, normalmente auxiliados por carros de apoio que carregam suas bagagens, têm mais meios de hospedagem ao seu alcance. Não é lógico
que ocupem todo o refúgio e deixem sem lugar para dormir peregrinos que carregam na mochila todo o seu equipamento.
A peregrinação à pé está ao alcance de qualquer pessoa, mesmo que não seja um atleta, sempre que se
saiba dosar o esforço em função da idade e das possibilidades físicas. É aconselhável treinar realizando caminhadas cada vez mais longas em sua terra natal e, se possível, com a mochila carregada daquilo que considera "imprescindível".
Assim, você compreenderá que quando o "imprescindível" pesa demasiadamente, ele deixa de ser realmente imprescindível.